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Quando se faz um esportivo, não dá para deixar de olhar para o Porsche 911. Clássico, equilibrado, mítico, há décadas referência absoluta no segmento. Agora, com a chegada em breve do novo 911 ao Brasil, adaptado aos tempos atuais – com motor turbo em todas as versões, como mostramos na edição passada –, reunimos dois de seus principais rivais para ver se é caso de esperar pela linha 2016 do “nine-eleven” ou resolver sua compra agora. Afinal, Jaguar F-Type R AWD e Mercedes-AMG GT S nasceram justamente para bater no 911. E acabam fazendo entre si um belíssimo duelo.

Se “copiam” o 911 na forma e na (suposta) função de esportivos para o dia-a-dia, esses dois apostam em uma construção distinta. Não têm aqueles minúsculos assentos traseiros (onde donos de 911 podem levar crianças ou malas) e muito menos o motor traseiro, que ninguém ousa imitar (e, apesar das críticas, a Porsche insiste em manter, pois é parte essencial da receita original). Esses dois aqui têm tamanho e potência similares, motores dianteiros sobrealimentados, tração primordialmente traseira, suspensões duplo triângulo frente e atrás com amortecedores ajustáveis e incríveis freios de carbono-cerâmica.

Nessas versões topo de linha, enquanto o Jaguar custa R$ 683.000, o recém-reajustado Mercedes sai por R$ 950.900. A diferença é enorme, suficiente para comprar um XF ou um Classe E. Considerando os valores atuais do Porsche, estão na faixa entre os 911 Carrera 4S e Turbo – onde costuma ficar o mais purista/raçudo 911 GT3 (e é justamente ele que um desses dois evoca ao volante, como veremos…). Em design/estilo, o AMG é mais chamativo. Desenvolvido pela Mercedes-AMG, é o único modelo dessa divisão de esportivos não derivado da linha “civil” Mercedes-Benz.

Nasceu como sucessor mais modesto do superesportivo SLS, como “o esportivo AMG do século XXI”. Os designers do GT S tiveram mais liberdade de criação, e acabaram cometendo exageros. Alguns são justificáveis, como o capô extremamente longo: seu motor V8 biturbo é central-dianteiro, como no antigo SLS, logo atrás do eixo dianteiro. Ao abrir a tampa, há um vazio à frente do V8, só com elementos de refrigeração. O resultado é o tal capô enorme, desproporcional. O F-Type, por outro lado, foi inspirado no inesquecível E-Type. Tem design bem mais equilibrado, harmônico, clássico.

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O que se vê no exterior se repete nas cabines. Ambos têm recursos e acabamento dignos de carros de luxo, mas o AMG é um tanto espalhafatoso, com uma profusão de elementos vermelhos, botões enormes e um console exagerado no tamanho e nos cromados (sobre o enorme túnel do tubo de carbono que leva o torque do motor à transmissão traseira e separa “piloto” e passageiro). O F-Type, embora ligeiramente menos equipado (leia tabela) e com uma central multimídia inferior, é mais fino e elegante, com acabamento preto, saídas de ar que só aparecem ao ligar o motor e botões menores e mais discretos.

Na mecânica e ao volante, essa questão exagero versus equilíbrio é amplificada. Seus motores sobrealimentados adiantaram a evolução que só agora chegou a todos os 911. Enquanto o F-Type tem um V8 5.0 com compressor volumétrico e 550 cv, o GT S tem também um V8, mas 4.0 e biturbo, com 510 cv. O Jaguar tem também um pouco mais de torque, mas a força do Mercedes-AMG chega mais cedo. Na transmissão, mais diferenças: enquanto o GT S tem dupla embreagem e sete marchas, o F-Type tem conversor de torque e oito velocidades.

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Teoricamente, a vantagem em desempenho seria do GT S, mas sua caixa automatizada não é das mais rápidas e a automática do F-Type é excepcional, então se equivalem na velocidade das respostas – embora o carro inglês tenha arrancadas mais suaves no uso urbano. Na prova de 0-100 km/h, vantagem do AMG: ele crava 3,8 segundos, contra 4,1 do Jaguar (mesmos tempos dos 911 Carrera 4 e 4S, respectivamente, com seus novos motores 3.0 biturbo de 370 e 420 cv). Na velocidade máxima, também ganha o esportivo alemão, com 310 km/h, contra 300 km/h do britânico. Não que isso faça diferença no mundo real. E é justamente no uso cotidiano que esses dois modelos mais se diferenciam, para o bem e para o mal.

Os dois nasceram para serem esportivos para o dia-a-dia, como o 911. Mas na prática a coisa não é bem assim. Parece que os engenheiros da AMG estavam desenvolvendo um rival para o Porsche e aí alguém chegou e disse: “911 Carrera é para os fracos! Vamos fazer um AMG do qual ninguém vai esquecer”. E aí somaram brutalidade ao carro. Muita. O GT S é difícil, duro, malcriado. O estilo avisa, a dinâmica comprova. Ele até tenta disfarçar, com amortecedores ajustáveis, controle de chassi até banguela automática (roda livre) para reduzir o consumo. Mas não é um carro para o dia-a-dia.

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A posição de dirigir vai de normal a muito baixa, com pés para a frente como em um Fórmula 1. O turbo lag quase inexiste, gerando respostas estúpidas ao acelerador, a direção hidráulica é absurdamente direta e os freios respondem sem nenhuma sutileza. Isso sem falar no som grave e invocado, nos estouros nas trocas de marcha, na carroceria que não deita em curvas, não importa qual a velocidade. O problema é que com os inúmeros ajustes de chassi no modo confortável, o centro do volante fica vago, mas fora dele as respostas ainda são diretas demais.

A carroceria dança um pouco nas curvas, mas continua sem aceitar buracos. O som grave segue invadindo a cabine, o que é cansativo em viagens longas. O GT S fica pior na dinâmica e ganha pouco em conforto. Melhor é deixar tudo no modo Sport+ e se divertir ao máximo. Mas cuidado: mesmo a 100 km/h, se você afunda o pé direito a tração traseira não perdoa e o carro dá escapadas, mesmo em pista seca (o controle de estabilidade demora mais a atuar). O Mercedes AMG GT S é, enfim, tão violento que consegue ofuscar o Jaguar F-Type, fazendo-o parecer dócil, elegante e fácil de guiar. Claro que a tração integral dessa linha 2016 do F-Type contribui bem para aumentar esse contraste (principalmente quando ajuda a manter a parte traseira do carro atrás da dianteira).

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Assim, o Jaguar consegue ser melhor de usar no dia a dia. Suas suspensões mais confortáveis permitem passar por uma rua esburacada sem tirar motorista e passageiro do sério, a direção elétrica é mais tolerante. Na estrada a 120 km/h, viaja em oitava marcha a meras 1.600 rpm e passa fácil dos 10 km/l. Mas isso não significa que não seja um esportivo de esquentar o sangue. As respostas ao acelerador são ainda mais imediatas, pois não há turbina e o compressor está sempre de prontidão. E sem turbina o som do motor fica mais livre, é mais rasgante que no Mercedes.

A direção elétrica não decepciona os puristas, e embora não seja tão direta, é muito precisa. Já as suspensões surpreendem: pelo conforto e silêncio extras que oferecem, é de se imaginar que decepcionem em curvas. Engano: acionando o modo esportivo, atuam com extrema competência, permitindo até exagerar mais um pouco, graças também à tração integral. E antes que reclamem, ela é primordialmente traseira. Em situações normais, 100% do torque vai para o eixo traseiro. Quando preciso, o diferencial manda até 50% para o dianteiro, mantendo o carro “nos trilhos”. Dá para ser mais ousado sem sentir que sua vida está por um fio ou que você precisa de um curso de piloto.

No fim, temos quase um empate. Mas como a missão é mimetizar o 911, o Jaguar F-Type R AWD é o vencedor. Consegue equilibrar brutalidade e conforto, velocidade e habitabilidade, esportividade e classe. Se fosse um 911, seria o Carrera 4S. Já o Mercedes-AMG GT S carrega demais nas tintas. É demasiadamente bruto, pede um envolvimento muito maior e mais constante do “piloto”. Se fosse um 911, seria o GT3. E um 911 GT3, cá entre nós, não é para todos (mas pode ser para você, claro). Na dúvida, vá de F-Type. É mais versátil e, ainda, muito mais barato. E não se esqueça que sempre existe a opção do 911.

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