A multinacional Volkswagen foi condenada pela Justiça do Trabalho do Pará por exploração de trabalho análogo à escravidão no Pará. O crime ocorreu entre os anos de 1974 e 1986 na Fazenda Vale do Rio Cristalino, também conhecida como Fazenda Volkswagen, localizada em Santana do Araguaia, no sudeste do Pará.

A companhia alemã deverá pagar R$ 165 milhões em indenização por dano moral coletivo, o maior montante da história no país em casos de trabalho análogo à escravidão, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), que moveu a ação contra a empresa. O valor será repassado ao Fundo Estadual de Promoção do Trabalho Digno e de Erradicação do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo no Pará (Funtrad/PA).

A decisão foi publicada na última sexta-feira (29/08) e cabe recurso.

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“As provas dos autos demonstram que a empresa Volkswagen do Brasil não apenas investiu na Companhia Vale do Rio Cristalino, como também participou ativamente de sua condução estratégica, beneficiando-se diretamente da exploração ilícita da mão de obra”, afirmou o juiz Otavio Bruno da Silva Ferreira, da Vara do Trabalho de Redenção (PA).

Em nota enviada à imprensa brasileira, a Volkswagen disse que defende “consistentemente os princípios da dignidade humana e cumpre rigorosamente todas as leis e regulamentos trabalhistas aplicáveis”, e que discorda da decisão judicial e entrará com recurso nas instâncias superiores. “A Volkswagen reafirma seu compromisso inabalável com a responsabilidade social, que está intrinsecamente ligada à sua conduta como pessoa jurídica e empregadora”, afirmou a empresa.

Servidão por dívida, violência e submissão

No despacho, o magistrado afirma que “relatórios oficiais, testemunhos de trabalhadores e documentos de órgãos públicos evidenciam que o modelo de produção adotado incluía práticas de servidão por dívida, violência e submissão a condições degradantes, configurando o núcleo do trabalho escravo contemporâneo”.

O MPT argumentou que centenas de trabalhadores da Fazenda Vale do Rio Cristalino foram submetidos a essas condições, que incluíam também vigilância armada, alojamentos precários, alimentação insuficiente e ausência de assistência médica, especialmente aos acometidos por malária.

A decisão da Justiça foi tomada em ação civil pública ajuizada pelo MPT em dezembro de 2024, baseada em denúncias da Comissão Pastoral da Terra com base em relatório apresentado pelo padre Ricardo Rezende Figueira. O MPT afirma ter obtido acesso a ações judiciais, inquéritos policiais e certidões e depoimentos prestados em cartório que comprovariam a ocorrência dos fatos denunciados.

A fazenda de produção agropecuária contava com 300 empregados diretos, como pessoal administrativo, vigilantes e vaqueiros. As violações de direitos humanos foram cometidas, segundo a denúncia, principalmente contra lavradores ou peões, responsáveis por derrubar a floresta para transformá-la em pasto.

Eles eram aliciados em pequenos povoados, sobretudo em Mato Grosso, Goiás e no atual Tocantins por empreiteiros conhecidos como “gatos”. Na entrada da fazenda havia uma guarita com seguranças armados para controlar a entrada e saída dos trabalhadores. Ao chegarem ao local, as pessoas aliciadas tinham que comprar utensílios em uma cantina, como lona para o barraco onde dormiriam e comida.

Ao longo da investigação, diversos casos vieram à tona de funcionários que contraíam dívidas ao comprar os itens e, depois, não podiam deixar a fazenda, mesmo que doentes, segundo o MPT.

Ação abrange pedido de desculpas

Além da indenização milionária, o pedido do MPT solicitou que a Volkswagen seja obrigada a “reconhecer publicamente a sua responsabilidade” e a pedir desculpas aos trabalhadores atingidos e a toda sociedade.

“Trata-se de uma sentença histórica. A maior condenação por trabalho escravo contemporâneo da história do Brasil. Envolvendo uma das maiores empresas do mundo”, disse à Agência Brasil o procurador do MPT Rafael Garcia, responsável pelo caso.

“Essa sentença demonstra, de forma cabal, que a exploração do trabalho escravo é uma conduta imprescritível, ou seja, mesmo ocorrendo há muitos anos, ela pode ser objeto de ação judicial, de condenação e reparação”, afirmou.

Empreendimento teve apoio da ditadura militar

O empreendimento agropecuário da Volkswagen teve financiamento público da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) no período da ditadura militar (1964-1985).

A Fazenda Volkswagen tinha 139 mil hectares, quase o tamanho da cidade de São Paulo. A empresa chegou à Amazônia para derrubar a vegetação nativa e criar gado, impulsionada pela política dos governos militares de ocupação e exploração da floresta.

Em 2020, a Volkswagen assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPT e com os ministérios públicos Federal e de São Paulo em outro caso envolvendo a ditadura militar. A empresa se comprometeu a destinar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores presos, perseguidos ou torturados em São Bernardo do Campo (SP).