15/10/2024 - 6:50
Por Beto Silva
Em 2008, enquanto 11 mil atletas de todo o globo disputavam com muito suor suas medalhas na Olimpíada de Pequim, na China, uma enorme parte do planeta não muito ligada ao esporte ficou estarrecida com as imagens de poluição do país asiático. Uma situação constrangedora aos olhos do mundo. Naquele momento, o governo chinês já adotava algumas iniciativas para melhorar a qualidade do ar da nação mais poluidora da Terra, muito em razão da alta produção baseada no consumo de carvão.
Recentemente, Rafael Rebello, diretor de soluções de energia e renováveis da Raízen, esteve na China em uma de suas incursões para troca de experiências. Em uma corrida de carro elétrico de aplicativo, indagou o motorista sobre o uso do veículo e o que havia mudado na sua vida nos últimos anos. A resposta foi taxativa: “Hoje consigo enxergar o céu”. Rebello ficou reflexivo sobre a resposta de profundo conteúdo que acabara de escutar, em meio a um trânsito ainda pesado, porém, mais silencioso e sem a emissão de CO2 tradicionais com os automóveis a combustão.
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O impacto positivo observado pelo executivo da Raízen, uma joint venture da Shell e Cosan, entre as maiores do Brasil e do mundo em energia renovável e produção de açúcar e etanol, é fruto da mudança de cultura da matriz energética chinesa, que avança a passos largos. Por lá, a DiDi, maior plataforma de transporte por aplicativo do mundo, dona da 99, registra 95% de carros elétricos entre os pedidos de ingresso no app.
• São 40 milhões de veículos desse tipo inscritos, responsáveis por 60% das viagens totais da DiDi em território chinês.
• Para se ter ideia do avanço, dois anos atrás eram 35%.
• Não à toa, a Shell inaugurou ano passado, no Aeroporto Internacional de Shenzhen, o maior hub de recarga rápida de carros elétricos, com 258 pontos.
• Ao lado, uma conveniência que vende 2 mil cafezinhos por dia, tamanho é o movimento de motoristas comerciais e de aplicativo.
E nesse mesmo período de dois anos atrás – um pouco mais, em abril de 2022 – era criada aqui no Brasil a Aliança pela Mobilidade Sustentável. Liderada pela 99 e inspirada nos resultados obtidos na China, o movimento juntou diversas companhias com o objetivo de criar uma iniciativa sustentável para transformar a mobilidade no Brasil.
Com duas visões:
• fomentar a demanda por automóveis,
• e construir uma infraestrutura adequada.
“A partir de um sonho, de uma ideia, criamos uma agenda de futuro”, disse Thiago Hipólito, diretor sênior de Inovação da 99.
Um movimento que ganhou corpo de forma rápida. A meta inicial era a 99, que tinha 180 carros elétricos, chegar a 3,5 mil em sua plataforma brasileira no final desde ano. Já está em 7 mil. “Temos evoluído muito. Alcançamos o dobro da meta antes do tempo”, comemorou Hipólito, que teve de rever os objetivos para 2025.
Antes, visava alcançar 10 mil veículos no app até o fim do ano que vem. Agora, mira 20 mil. Antes, queria contribuir com 10 mil pontos públicos de recargas no País, número que já foi alcançado. Agora, trabalha para torná-los mais eficientes. Antes, vislumbrava contribuir para que os automóveis elétricos chegassem a 10% do total da frota brasileira. Agora, projeta 15%. Segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), a participação dos eletrificados sobre o total de veículos leves vendidos no mercado brasileiro foi de 6,6% em agosto.
Hoje são 19 parceiros imbuídos na missão:
• BYD,
• IturanMob,
• MercadoLivre,
• BV,
• Santander,
• CAOA Chery,
• Movida,
• Unidas,
• Raízen,
• Enel X,
• EzVolt,
• Tupi Mobilidade,
• Vibra,
• Zletric,
• Dahruj Rent a Car,
• 99Moto,
• iFood,
• Osten
• e AYA Earth Partners.
“Temos um ciclo virtuoso”, afirmou Hipólito, da 99, ao ponderar que, no início, foi necessário investimento de R$ 250 milhões para fazer a roda girar. Juntas, as empresas formam um ecossistema que facilita o ingresso de mais automóveis elétricos no mercado e garante benefícios para todos, principalmente para os motoristas.
Com a possibilidade de mais veículos comercializados, as montadoras baixam os preços. O que fomenta o negócio das locadoras. As financiadoras, como o Banco Santander, criam condições facilitadas. “Com a compra do carro, por exemplo, a 99 cobra a metade da taxa das corridas do app e zera a taxa para o motorista que adesivar o carro por seis meses”, discorreu o diretor do app.
Para Rafael Rebello, da Raízen, a sigla ESG (Ambiental, Social e Governança) “faz todo sentido” no modelo na Aliança. “Quando junta todas as pontas do processo, atinge de maneira positiva o motorista, a população, tem impacto ambiental e menor custo de operação para todos”, discorreu o executivo da empresa que possui 70 pontos de recarga DC (mais rápidos, de 7min a 35min), outros 50 em construção e 230 de recargas AC (mais lenta, de 6h a 8h) em shoppings, hotéis e estacionamentos. “Até março teremos mais de 1 mil nos dois modelos, nas grandes capitais”, disse Rebello.
A entrada de companhias de serviços também tem peso no movimento, como a Ituran e a IturanMob, que fazem o seguro e gerenciamento de dados da frota. Paulo Henrique Andrade, CEO da IturanMob, destacou a expertise da companhia na disponibilidade de inteligência do modelo mobility as a service. Com a tecnologia, o carro de aplicativo é conectado à plataforma da empresa, que capta inúmeros dados de dirigibilidade, pagamentos e geolocalização. “A Aliança é um agrupamento de empresas em que cada uma criou condições para favorecer o motorista. E isso gera um projeto de sustentabilidade, que entrega um asset [serviços de gestão de ativos] riquíssimo”, disse PH Andrade.
Já a Ituran, que desenvolveu uma ferramenta que mostra um mapa de calor indicando regiões em vermelho com maior incidência de furtos – com detalhamento on-line de ruas, horários e quais modelos mais visados –, atua na proteção e prevenção de sinistros. “Com isso, proporcionamos uma experiência digital completa”, salientou Amit Louzon, CEO da autotech israelense. A Raízen, inclusive, usa dados gerais da IturanMob para avaliar estrategicamente os pontos em que serão instalados os carregadores. “O trabalho da Aliança acelerou nossa atuação. É um modelo que consegue garantir ocupação, que garante rentabilidade, que garante mais investimentos”, frisou Rebello, da Raízen.
NOVIDADES
O projeto da Aliança pela Mobilidade Sustentável está amadurecido, o que possibilita avançar em outras três frentes:
• um superapp,
• um modelo carsharing,
• e nas motos.
No caso do aplicativo robusto, a ideia é juntar todas as experiências das empresas envolvidas em um único lugar. Só o Shell Box, por exemplo, possui 20 milhões de usuários, sendo 2 milhões recorrentes ativos. “Quando juntamos rastreamento do ponto de recarga, do carro, do motorista, do smartphone, temos toda jornada mapeada para prestar melhores experiências”, disse Rafael Rebello, da Raízen. “Podemos proporcionar uma prestação de serviços mais completa”, afirmou, ao salientar que a plataforma poderá atender motoristas de carros 100% elétrico, de híbridos ou a combustão.
Com o carsharing (compartilhamento de carro), a intenção é aperfeiçoar os casos de uso dos veículos. Em um aluguel de carro tradicional, o motorista aluga o carro 24 horas e trabalha 8 horas, em média, com o recarregamento à noite. Já o carsharing possibilita alugar o automóvel por algumas horas, deixar o carro em um posto público de recarga rápida para um outro motorista pegá-lo em seguida e utilizá-lo. “O valor do aluguel pode baixar e mais pessoas podem ter acesso ao uso do veículo elétrico”, disse Hipólito, da 99, ao revelar a outra novidade da Aliança: as motos elétricas.
Em parceria com as startups Vammo e Riba, o modelo é testado desde o início do ano. E agora deve ganhar escala com montadoras asiáticas entrando no mercado brasileiro de duas rodas.
A 99 possui mototáxi em 3,6 mil municípios do País, com 500 mil motos cadastradas. Em algumas cidades, faz mais corridas de moto do que de carro. Alguns fatores propiciam o ganho de escala rápida das motos. Entre eles, o custo 10 vezes menor do que dos carros elétricos e o sistema battery sof, que ao invés de o motociclista recarregar, ele troca a bateria em três minutos. “Tem um potencial gigante de escalabilidade”, disse Hipólito. Mais um passo do movimento eletrificado que tem mudado a China. E pode mudar o Brasil.