As portas asas de gaivota não são novidade.“Uma herança dos anos 1960”, observa o designer Giorgetto Giugiaro. Quando se levantam, revelam uma cabine ao mesmo tempo acolhedora e futurista, que convida a sentar ao volante. Quando fecham, emitem um breve zumbido e você se sente em uma máquina do tempo, que o leva de volta para os anos 1970, para aqueles conceitos em forma de cunha que pareciam mísseis buscando perfurar o espaço em direção ao futuro.

Assim é o Brivido, o novo conceito do famoso estúdio Italdesign, que avaliamos com exclusividade. Por dentro, telas de vídeo que se multiplicam e câmeras que substituem os retrovisores. Na propulsão, o conjunto mecânico com um motor elétrico e um a gasolina V6, que juntos totalizam 408 cv. Mas isso tudo é o su ciente para proporcionar o “frio na espinha” (brivido, em italiano) que o nome do carro sugere? Em uma época em que o mundo ecologicamente correto vê os automóveis como um problema, ainda há espaço para a emoção?

 

Giugiaro aposta que sim. E o faz a sua maneira, em um carro que exala esportividade, mas sem abrir mão da racionalidade presente em seus grandes projetos. Claro que trabalhar em um carro de cinco metros não é um desa o tão estimulante quanto conseguir a máxima habitabilidade em menos de 3,5 metros. Nessa medida mais reduzida, o designer sempre deu o melhor de si, com máquinas geniais como o Fiat Panda, de 1980, (primo italiano de nosso primeiro Uno) ou o conceito Emas, de 2010. Mas, de qualquer forma, a tarefa aqui não é fácil: construir um esportivo que leve passageiros com conforto e com mais espaço para a cabeça que o de um sedã de tamanho similar. Considerando que o carro é mais baixo que uma Ferrari FF, trata-se de um desa o à altura de Giugiaro.

 

“Claro que este é um carro egoísta, feito para quem o dirige; mas não esquecemos de quem senta ao lado e atrás e, quase sempre, acaba sendo negligenciado”, explica Giugiaro. O passageiro dianteiro tem seu próprio painel de instrumentos: por meio de um iPad encaixado em uma fenda do painel, pode decidir se vê uma cópia do contagiros e velocímetro, exatamente como o motorista os vê, ou se decide ser independente e assistir a um lme (sem atrapalhar o motorista, graças ao ângulo em que ca encaixado o tablet). Um outro esquema de entretenimento é dedicado a quem viaja atrás – confortavelmente acomodado em verdadeiras poltronas. Entrar e sair delas é facílimo, graças à ótima abertura das enormes portas. Assim, nem é preciso mexer nos bancos dianteiros.

Mas, com um carro desses em nossa pista, não nos contentamos em ser passageiros. Do banco do motorista, não se vê todo o espaçoso interior, mas somente a estrada. A atenção ca dividida entre o asfalto e as informações transmitidas pelo carro, como a carga das baterias e a intervenção do motor elétrico na aceleração. Tudo é mediado por um câmbio automático que, às vezes, insiste em “travar” na terceira marcha, forçando-nos a usar a borboleta no volante para engatar a quarta. Trata-se da única indicação de que estamos em um protótipo. De resto, não há aquela sensação de precariedade, seja na mecânica, seja na carroceria. Ele segue bem mesmo acima dos 50 km/h, quando, em um protótipo exclusivo como esse, normalmente se recomenda aliviar o pé do acelerador. 

Mas aqui seguimos adiante. O carro não é rápido demais para ganhar velocidade, mas é bastante progressivo. Passamos dos 100 km/h e tudo segue bem, com pouquíssima vibração. 120 km/h, 130 km/h… Tiramos o pé do acelerador só um pouco depois dos 160 km/h por prudência; inevitável quando se tem em mãos o único exemplar de um brinquedo de centenas de milhares de euros.

O que mais chama a atenção é o ótimo controle da carroceria nas curvas e a direção extremamente direta, além do ótimo raio de giro. Difícil é se acostumar com os retrovisores substituídos por câmeras. “Elas podem se tornar algo comum em um futuro próximo”, comenta Giugiaro. “Assim como sistemas que leem as placas de trânsito e reduzem sozinhos a velocidade. Mas não gosto de toda essa ‘magia eletrônica’. Para mim, apenas um instrumento é necessário no carro, o marcador de combustível. Até o contagiros é dispensável. Pre ro ouvir o motor…”, completa.

O fundador da Italdesign deixa claro que o Brivido não é um carro de sonho: “Sem mudar quase nada, pode ser colocado em produção.” A mecânica toda já existe e a Italdesign revela apenas que é do grupo Volkswagen. Mas, sabendo que ele tem tração traseira, um módulo híbrido com baterias de íons de lítio no porta-malas e um motor elétrico entre o câmbio e o motor a combustão – um V6 de 360 cv –, é fácil concluir que se trata de um parente próximo do Porsche Panamera Hybrid. “O Brivido é um exemplo do que se pode fazer com uma mecânica já existente”, explica Giugiaro. E completa: “Para virar um modelo de produção, basta eliminar alguns erros, como o sistema touchscreen central, um desastre durante o dia, quando só se veem reexos, e os monitores ao lado do volante, pequenos demais.” Alguns toques de imperfeição que também trazem a lembrança de outras épocas.