02/11/2025 - 15:00
Para o CEO da Volkswagen Financial Services, Rodrigo Capuruço, o novo entendimento do ministro do STF Dias Toffoli sobre o Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023) não deve prevalecer.
“Quem mais ganha com o marco das garantias é o cliente. O que que falta é oferecer mobilidade a um custo ainda mais baixo”, afirma Capuruço.
Caso não haja segurança nesse processo, o crédito ficará mais caro.
“Mas a segurança legal, a segurança dos participantes é essencial. Se a gente não tiver segurança, teremos um risco mais alto, e, por consequência, precificar o risco mais alto.”

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O que aconteceu?
O Marco Legal das Garantias foi sancionado em 2023, no entanto, em julho deste ano, ao reexaminar o caso sobre o Marco Legal das Garantias, Toffoli, relator, reviu o posicionamento anterior e reconheceu que o dispositivo cria “um sistema paralelo de execução extrajudicial de bens móveis”, sem a necessária fiscalização do poder judiciário.
A mudança ocorreu após uma ação de inconstitucionalidade apresentada pela Associação Federal dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais.
O julgamento virtual foi iniciado no dia 10 de outubro e terminaria no dia 17. No entanto, foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que suspendeu o julgamento por até 90 dias. Até o momento, Toffoli foi acompanhado pelo ministro Cristiano Zanin.

O que diz o STF sobre o Marco Legal das Garantias?
De acordo o relator, os Detrans não têm atribuição jurídica nem estrutura para conduzir execuções extrajudiciais. O ministro também destacou que a Resolução Contran 1.018/25, sobre os procedimentos de execução extrajudicial de veículos automotores com contratos de alienação fiduciária, não assegura o direito de defesa perante autoridade pública, já que a contestação da dívida ocorre apenas perante o próprio credor, sem análise por autoridade imparcial.
Toffoli propôs o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 8º-E e a fixação de tese que reafirma a competência dos cartórios para a execução extrajudicial, garantindo os direitos à privacidade, à honra e à inviolabilidade de dados do cidadão.
A Fenassojaf (Associação Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais) ressalta que as execuções devem ser exclusivas dos oficiais de Justiça, pois, somente esses servidores “garantem lisura, legalidade e independência no cumprimento das ordens judiciais”.
“Somente o oficial de Justiça, servidor concursado e devidamente preparado para o exercício da função, possui a qualificação técnica e ética necessária para realizar diligências de maneira imparcial e segura — preservando não apenas os direitos do credor e do devedor, mas também a integridade e a proteção de dados sensíveis do cidadão.”
Para a Fenassojaf, a tentativa de transferir atribuições típicas de Estado para órgãos administrativos ou privados compromete o devido processo legal e coloca em risco a própria confiança do cidadão na Justiça e na efetividade das decisões judiciais.

Acrefi
A Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), por sua vez, se manifestou com preocupação sobre o julgamento do novo Marco Legal de Garantias, que considera inconstitucional a atuação dos Detrans na recuperação extrajudicial de veículos. A medida visa agilizar a recuperação de ativos, reduzir fraudes e evitar a judicialização.
“Para que esse objetivo seja alcançado e os consumidores tenham acesso a melhores condições de financiamento, é fundamental que a competência dos Detrans no processo seja resguardada, juntamente com a dos cartórios e do próprio Judiciário. Na condição de órgãos públicos responsáveis pelo registro e controle das garantias fiduciárias, os Detrans exercem papel técnico e de segurança jurídica, assegurando rastreamento e transparência nas operações. Sua participação é etapa conclusiva de um fluxo legal que vem reduzindo custos e litígios judiciais, com benefícios diretos à economia e à democratização do crédito”, afirmou a associação em nota.
A Acrefi ressalta que segue atuando institucionalmente como “amicus curiae” no processo para que o Supremo Tribunal Federal reavalie o entendimento e preserve a segurança jurídica e a eficiência do sistema de crédito.
Equilíbrio é o melhor caminho?
Na visão de Armin Lohbauer, advogado especialista em contencioso cível do Barcellos Tucunduva Advogados, o STF não está revogando o Marco Legal das Garantias, mas apenas ajustando os limites de um ponto específico da lei, o artigo 8º-E, que autoriza os Detrans a conduzirem a execução extrajudicial de contratos de alienação fiduciária de veículos.
“Interessante que o que está em discussão é praticamente a adoção de um regime mais liberal, como o americano, ou o europeu, em que há uma restrição maior à execução extrajudicial. Nos Estados Unidos, a execução privada de garantias é admitida com amplitude (self-help). O credor pode retomar o bem diretamente, desde que sem “breach of the peace”, isto é, sem conflito ou coação. Caso surja resistência, o procedimento deve ser judicializado. A lógica é pragmática: rapidez, mas com freios. O devedor, por sua vez, é notificado e pode purgar a mora antes da venda.”
Ele explica que na Europa o cenário é outro. Alemanha, Espanha e Portugal adotam modelos registral e judicializados, em que a retomada coercitiva depende de título executivo e intervenção estatal. Já o Reino Unido, embora mais liberal, também impõe barreiras: se o comprador já tiver quitado mais de um terço do valor do bem, ele se torna “protected goods”, exigindo ordem judicial para a retomada.
“O Brasil ensaiava algo híbrido, unir a celeridade americana à formalidade europeia, ao permitir que os Detrans processassem a execução extrajudicial. A objeção do ministro Toffoli, entretanto, é no sentido da falta de controle, uniformidade e salvaguardas para o devedor. Contudo, a solução não precisa ser o veto absoluto.”
Para Lohbauer, seria possível criar gatilhos objetivos: permitir a execução administrativa apenas em hipóteses de inadimplemento inequívoco, com notificação prévia, prazo de purga e registro eletrônico auditável. E reservar a via judicial para situações de conflito ou contestação material relevante. Assim, pode ser preservada a eficiência sem abdicar da legalidade.
“Em suma, não se trata de escolher entre o direito do credor e as garantias do devedor, mas de desenhar um procedimento equilibrado, que una a velocidade do sistema americano à prudência institucional do europeu. O desafio do STF, acredito, é encontrar esse ponto de equilíbrio, sob pena de o novo marco legal acabar por envelhecer antes de amadurecer.”
Ministros devem votar ainda esse ano?
O advogado diz que uma votação do STF sobre o tema ainda esse ano é incerta. No entanto, o caso está em pauta virtual e pode ser retomado a qualquer momento, dependendo da devolução da vista. Gilmar Mendes tem 90 dias para a restituição.
“Na prática, o STF tem priorizado julgamentos de impacto fiscal e eleitoral neste fim de ano, o que pode adiar a conclusão para início de 2026. Ainda assim, o tema tem alta relevância econômica, e há pressão institucional, especialmente de bancos, para que o STF defina logo o alcance da decisão, a fim de reduzir o atual clima de insegurança jurídica no crédito com garantia fiduciária.”
