01/09/2011 - 0:00
STIRLING MOSS
“Os pilotos hoje não sentem o prazer de correr porque não há perigo algum nas pistas”
Por que o sr. parou de correr? Quando tinha 16 anos, fiz minhas primeiras corridas. Depois da guerra, não tínhamos muita gasolina e as competições eram poucas. Minha primeira verdadeira disputa foi na Itália, no Lago di Garda, em 1949, com um Cooper 1000. Dali em diante, minha vida foi atrás do volante: até 1962 como profissional e depois por puro prazer de correr com carros históricos. Em maio deste ano, em Le Mans, me dei conta de que não era mais competitivo porque não podia andar rápido. Percebi que teria medo de acelerar e, como nunca tinha experimentado nada do gênero, entendi que era hora de parar. Em suma, os mitos também têm medo… Sim. O problema é como se enfrenta esse sentimento. Quase sempre você sabe como controlar. Geralmente, nos acidentes, o piloto procura fazer alguma coisa para evitar o impacto. Pelo menos na minha época era assim. Eu, por exemplo, tentava girar o carro para escolher a parte que iria absorver o impacto e não ficava parado esperando. Essa lucidez mostra que o medo não anulou sua capacidade de raciocinar. Em 1962, depois do acidente de Goodwood, que o deixou em coma por um mês e parcialmente paralisado por mais seis meses, o sr. não voltou mais às pistas como profissional. Foi por medo? Daquele acidente não lembro de absolutamente nada. Portanto, não foi medo. Simplesmente, quando me coloquei novamente a bordo de um monoposto, um ano piloto inglês Stirling Moss é uma prova viva de que é possível estar entre os melhores e entrar para a história sem nunca ter, de fato, chegado lá. Nascido em Londres, no ano de 1929, ele é considerado um dos maiores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos, ao lado de Juan Manuel Fangio, Nuvolari e Ayrton Senna – mesmo não tendo ganho um único campeonato na categoria.
Piloto desde o nal dos anos 1940, Moss estreou na categoria máxima do automobilismo em 1951, correndo apenas com carros ingleses, como HW e Cooper. Em toda a sua carreira, participou de 585 corridas com 108 carros diferentes. Venceu 209 delas e, na F-1, foi quatro vezes vice-campeão. Depois de um grave acidente em 1962, a bordo de uma Lotus, deixou de atuar como piloto pro ssional, mas não abandonou as pistas de corrida. Continuou disputando provas sempre pilotando automóveis históricos. Há dois meses, Stirling Moss, com 81 anos, anunciou que é hora de parar. Sua última prova foi em maio, nas 24 Horas de Le Mans. O que levou o mito a abandonar o automobilismo ele revela nesta entrevista exclusiva, realizada em sua casa em Londres.
Na página ao lado, Moss em sua casa em Mayfair, Londres, durante nossa entrevista. Acima, o piloto no início de carreira, nos anos 50, quando só competia com carros ingleses, como o Cooper ao lado, que marcou sua primeira “verdadeira disputa”, na Itália
Por que o sr. parou de correr?
Quando tinha 16 anos, fiz minhas primeiras corridas. Depois da guerra, não tínhamos muita gasolina e as competições eram poucas. Minha primeira verdadeira disputa foi na Itália, no Lago di Garda, em 1949, com um Cooper 1000. Dali em diante, minha vida foi atrás do volante: até 1962 como profissional e depois por puro prazer de correr com carros históricos. Em maio deste ano, em Le Mans, me dei conta de que não era mais competitivo porque não podia andar rápido. Percebi que teria medo de acelerar e, como nunca tinha experimentado nada do gênero, entendi que era hora de parar.
Em suma, os mitos também têm medo…
Sim. O problema é como se enfrenta esse sentimento. Quase sempre você sabe como controlar. Geralmente, nos acidentes, o piloto procura fazer alguma coisa para evitar o impacto. Pelo menos na minha época era assim. Eu, por exemplo, tentava girar o carro para escolher a parte que iria absorver o impacto e não ficava parado esperando. Essa lucidez mostra que o medo não anulou sua capacidade de raciocinar.
Em 1962, depois do acidente de Goodwood, que o deixou em coma por um mês e parcialmente paralisado por mais seis meses, o sr. não voltou mais às pistas como profissional. Foi por medo?
Daquele acidente não lembro de absolutamente nada. Portanto, não foi medo. Simplesmente, quando me coloquei novamente a bordo de um monoposto, um ano depois, não tinha mais a necessária concentração para tocar um carro de F-1. Nesse negócio – como hoje ainda – é preciso estar muito envolvido no desempenho. Três ou quatro anos depois, quando imaginei ter recuperado a forma, o mundo das corridas estava modificado. Jim Clark havia chegado e andava fortíssimo, as máquinas usavam pneu slick… era um outro mundo.
E o senhor não se arrepende?
Afinal, tinha apenas 32 anos… Depois de tantos anos, é mais fácil examinar a questão. Mas, na época, todos os dias jornalistas me procuravam para saber quais eram minhas intenções. Eu estava sob muita pressão. Em outro grave acidente, em 1959, quebrei as duas pernas e a espinha dorsal. Mas estava consciente de que voltaria a correr assim que conseguisse andar. Depois de Goodwood, no entanto, não consegui recuperar um equilíbrio mental para voltar a correr como profissional.
Por falar nisso, o sr. sempre foi considerado um piloto por profissão. Não um “gentleman driver” ou um tolo inconsequente, mas um especialista que corria com qualquer carro para ganhar o máximo possível de dinheiro com isso. Essa definição o deixa embaraçado ou orgulhoso?
Nem uma coisa nem outra. É apenas a verdade. Ser piloto me dava muito prazer. Apenas decidi que não ia mais pagar para saciar minha paixão. E, para cada corrida, tinha o meu honorário definido. Mas é bom deixar claro que a profissão não era nem ao menos semelhante ao que é hoje. No ápice da minha carreira, em 1961, depois de fazer 52 corridas de F-1, Sport e outras categorias, meu rendimento anual era de 25.000 libras esterlinas. Naquela época, o piloto pagava suas despesas, de medicamentos a viagens de avião. Tirando essa despesa altíssima, me sobravam 8.000 libras. Pagando os impostos, meu rendimento era de 4.000 libras ao ano, o mesmo que ganhava um bom advogado. Mas a diferença é que eu arriscava minha vida todo final de semana.
Mês passado, o projetista Giotto Bizzarrini nos disse que, nos anos 50, pilotar era se voltar para a morte. Era mesmo assim?
Sim. Para nós, o perigo era talvez a mais importante motivação. Era o que me excitava. Vencer era lindo, mas a verdadeira disputa era superar o medo a cada curva.
Por isso não gostava do capacete?
Meu pai me obrigou a usar, se quisesse correr. Eu resolvi o problema colocando um capacete de polo que, na prática, não servia para nada. E eu ainda corria de mangas curtas. Hoje as corridas não têm mais esse fascínio dos jogos de azar.
Essa é uma crítica frequente e nem sempre muito velada à atual F-1.
A F-1 é interessante do ponto de vista dos progressos técnicos, mas a excitação é zero. Hoje acreditam que máquinas ultrapassando umas às outras sejam um espetáculo. Na verdade, isso é apenas um nivelamento. E talvez por baixo.
Essa pergunta é inevitável: o que o sr. acha dos pilotos atuais?
Não se pode culpar um homem por não trabalhar correndo riscos. Os pilotos atuais são bravos sim, sobretudo Vettel. Mas não trocaria o meu tempo pelos atuais.
Havia alguma prova que o excitava ou o apavorava mais que todas as outras?
A Mille Miglia era mortificante. Porque não dava para decorar o circuito, que era longo demais.
Mas o sr. andava como um míssel. Em 1955, com um carro da Mercedes e com Jenkinsom como navegador, o sr. cumpriu os 1.597 km em uma média de 158 km/h…
Isso para não falar do último trecho de planície. Ali, a média foi de 264 km/h. Isso em uma estrada normal.
Por que parou de correr de Ferrari?
Em 1951, os homens de Maranello me ofereceram um carro para disputar o GP de Bari. Saí de Londres de carro, atravessei a Europa e cheguei a Puglia dois dias depois. Quando me apresentei no boxe, vi a minha Ferrari e logo me coloquei a bordo. Os mecânicos me perguntaram quem eu era. Eu disse que era Moss e que pilotaria o carro na corrida. Eles me responderam que aquela máquina era de Taruffi. A Ferrari havia mudado de ideia e não me disse. Fiquei muito ofendido e decidi nunca mais correr para o Cavallino. Na verdade, depois eu fiz pelo menos 12 corridas com Ferrari, sempre com carros particulares. Em 1961, a marca me ofereceu um contrato para o ano seguinte, mas o carro não chegou a tempo e eu corri em Goodwood com a Lotus. Houve o acidente e eu encerrei minha carreira. Estar em uma Ferrrari naquele momento não teria me feito mal algum.
Então era verdade que a Lotus era frágil?
Claro. Chapman era um bom projetista, mas apostava tudo na leveza. Anos depois do meu acidente, Jim Clark morreu. Ele era muito bom, a culpa foi do carro.
Quem era mais forte, o sr. ou Fangio?
Fangio. E não é falsa modéstia. Pelo menos na F-1. Na categoria Sport eu o bati várias vezes. Quando perguntávamos por que ele preferia o monoposto, ele respondia sempre que gostava de ver as rodas da frente. O que era uma afirmação curiosa: em um carro de corrida, sempre se foca centenas de metros à frente e não debaixo do próprio nariz. Mas a verdade é que ele era totalmente concentrado no volante, era realmente muito veloz.
E não ficou frustrado nos anos de Mercedes quando corriam juntos?
Não. Naquela época não existia ordem de escuderia. A única regra era que se um dos nossos carros estivesse com 30 segundos de vantagem não podíamos atacá-lo. Fora isso, duelávamos sem problema. Neubauer, o diretor técnico, se irritava quando eu seguia Fangio de perto. “E se baterem?”, me perguntava. A verdade é que Fangio nunca teve um acidente.
O sr. é definido como um grande perdedor porque nunca venceu um mundial de F-1. Isso o incomoda?
Fiquei quatro vezes em segundo lugar. A vitória chegaria em 1958, porque na última corrida, em Portugal, desclassificaram Mike Hawthorn, que era o meu rival. Mas eu pedi para que a punição fosse anulada, porque era injusta. Assim, ele levou o campeonato por um ponto de vantagem. Para mim, basta ter conseguido o respeito dos meus colegas, mais do que a glória. Schumacher venceu sete mundiais, dois a mais que Fangio, mas nunca será um grande piloto como Juan Manuel.
E nunca se arrependeu do gesto de bondade?
Nunca. Naquela época, as corridas eram um esporte. Era a coisa certa a fazer.
Então hoje a F-1 não é mais um esporte?
Claro que não! Como pode ser um esporte com um piloto ganhando mais de US$ 15 milhões por ano? Os pilotos de hoje não experimentam o prazer de correr porque não há perigo algum na pista. O risco é justamente o que aumenta o prazer. Eu amo a vida, mas vencer com calafrios é uma outra coisa.