O sistema multimídia do Dodge é similar ao do rival, com direito a HD interno. Acima, o conta-giros (acessório Mopar) e, abaixo, a exagerada alavanca do câmbio automático

As linhas de design já deixam claro que esses dois carros fazem parte de tribos bem diferentes. O Dodge Challenger não é muito maior que o Passat CC. Mas, com sua cara de bad boy (ainda mais nessa versão com kit da Mopar), parece pronto a destruir o “nerd” que ousa desa á-lo. Projetado numa época em que cupê tinha carroceria musculosa, capô longo, janelas traseiras xas e – o mais importante – apenas duas portas, ele quase debocha do elegante cupê que posa ao seu lado para as fotos. Mal sabe ele que, debaixo de sua capa de malvado, se esconde um chassi de sedã de luxo e uma eletrônica embarcada pronta para domar seus instintos ferozes. O muscle car de hoje tem muito mais cérebro do que deixa transparecer.

Os que curtem esportivo americano costumam dizer que “quem gosta de motorzinho é dentista”. Tudo bem. Mas que o motor do Passat é mais e ciente, isso não dá para negar.

Sim, ele tem “só” 300 cv, contra os 425 cv do Dodge, mas seus números de potência e torque especí cos mostram que a tecnologia está a seu lado, tirando mais desempenho de uma unidade menor e mais leve. São 83,3 cv/litro no Volks contra 69,8 cv/litro no Dodge! Por mais que os motores Hemi estejam desenvolvidos, a modernidade ainda não é um destaque. O V6 3.6 do Passat, por exemplo, usa a injeção direta de combustível para otimizar a combustão – sem as limitações do motor Hemi, com duas válvulas por cilindro e comando simples.

Quando se acelera o Dodge Challenger com o câmbio em neutro para ouvir o motor (acho que todo mundo faz isso), você sente a carroceria balançar como se a potência do motor extrapolasse os limites do carro. Claro que não precisava ser assim. Apesar da robustez do motor, a coxinização seria capaz de neutralizar essa aspereza transferida para a carroceria em forma de chicotada. Mas a ideia era justamente remeter ao passado, e esse detalhe ajuda. No Passat CC, a mesma experiência é um tanto sem graça. Ronco de oito cilindros é ronco de oito cilindros e ponto nal! Para quem gosta, é música inigualável. No VW, nada de vibração, nada de solavancos, só um e ciente motor seis cilindros em funcionamento…

Em oposição à releitura de um clássico muscle car americano…

Apesar de completo e bastante adequado, re nado não é exatamente a palavra ideal para descrever o acabamento interior do Dodge (cheio de elementos retrô)

…nada mais indicado que um moderno e racional esportivo alemão

No Passat CC, a tradicional so sticação alemã, com atenção máxima aos detalhes e prioridade para a funcionalidade – mas tanto aço escovado, em um dia de sol…

Acima, o sistema multimídia com tela sensível ao toque e o painel com elementos circulares; abaixo, a alavanca do câmbio automatizado cercada de controles eletrônicos

Na arrancada, sente-se o pedal pesado do Dodge – é preciso pisar fundo para fazê-lo subir de giro até as 4.800 rpm e apreciar a força descomunal do motor empinando levemente a dianteira e despejando seus 58 kgfm de torque que o farão grudar no banco. No Passat, a entrega de força é mais linear – você sente o motor cheio e disposto desde as baixas rotações. Logo após a marcha lenta, perto das 2.000 rpm, ele já oferece seus 35,6 kgfm, estáveis até os 5.300 giros. A agressividade é maior no americano, claro, mas a sensação de agilidade é mais presente no alemão. E, apesar da aparência, do motor consideravelmente maior, mais potente e “torcudo” e de todo o estardalhaço, quando se comparam os números, nota-se que o Challenger não faz muito mais que o Passat. Da imobilidade aos 100 km/h, ele leva 5,1 segundos, contra 5,6 segundos do Volks. O segredo está na relação peso/potência não muito distante dos dois: 4,4 kg/cv no Dodge contra 5,4 kg/cv no rival. No dia a dia (sem menosprezar os cinco décimos de vantagem do Dodge), a diferença é quase imperceptível. Já na máxima, ele passa dos 270 km/h, enquanto o Passat CC é limitado a 250 km/h.

A favor do mais “fraquinho” Passat pesa também a transmissão. As trocas do câmbio automático de cinco marchas do Dodge são e cientes e não é preciso recorrer aos engates manuais na alavanca (talvez só em algumas reduções), mas a transmissão manual automatizada de dupla embreagem do cupê alemão é superior. As trocas são praticamente imperceptíveis e têm uma agilidade que chega a intimidar. Você prefere não tocar na alavanca ou nas borboletas junto ao volante porque sabe que dificilmente fará um trabalho melhor que o da eletrônica. Fora isso, o Volkswagen tem tração integral e suspensão independente (MacPherson na dianteria e multilink na traseira), o que garante um comportamento bem mais neutro nas curvas e em situações de aderência limitada. Já no oponente, um legítimo tração traseira, a sensação é um pouco diferente. Assim como o balanço da carroceria na aceleração, nesse remake quase tudo que lembra o clássico “Dojão” dos anos 70 é fabricado, feito de caso pensado – inclusive o comportamento dinâmico. A instabilidade nas manobras e a traseira indomável – que, junto com o motor valente, zeram a fama de assustador do carro – são reconstruídas, embora em menor escala, nesse novo cupê.

Parece que se trata de um automóvel arredio, que mostra intenção de desequilibrar até para mudar de faixa – mas tudo não passa de uma “brincadeirinha” para dar a sensação de bravura desejada por quem compra um esportivo americano e espera fazer curvas radicais no contra-esterço. Na verdade, tudo está sob o controle da eletrônica, que, na hora do “vamos ver”, atua como anjo da guarda e coloca o carro nos eixos. A direção não é tão rápida quanto poderia, mas não é ruim, a plataforma é a mesma usada no Chrysler 300C e no Mercedes Classe E, a distância entre-eixos é bem maior que a do modelo antigo e as suspensões levam rodas independentes com double wishbone na dianteira e braços múltiplos na traseira (nos anos 70 ele tinha eixo rígido), além de barras estabilizadoras bastante parrudas. En m, tudo muito moderno, so sticado e e ciente (inclusive os freios), aliando bom comportamento dinâmico com um conforto acima do esperado.

O Challenger, com suas enormes rodas aro 20, faz questão de exibir seus grandes discos de freio

Tração traseira no Challenger e integral no Passat: o primeiro desa a constantemente o motorista, o segundo garante controle em qualquer situação

No interior, ambos oferecem o su ciente, mas o Passat CC é melhor. No Dodge, supostamente há lugar para cinco pessoas, mas só cabem quatro – e quem vai atrás ca bem mais apertado que no Volks. Entrar e sair do Challenger também é uma tarefa bastante difícil, pela ausência das portas traseiras (e o banco do motorista tem que ser ajustado novamente a cada operação). A visibilidade também é melhor no modelo alemão, que conta ainda com sensor de estacionamento e câmera de ré com sistema Park Assist. No cupê americano, os retrovisores são pequenos e a visão traseira é limitada. Já na dianteira, a visibilidade poderia ser boa, mas é prejudicada pela falsa entrada de ar, um acessório da versão avaliada.

Dizer qual a melhor receita de esportivo é difícil, mesmo depois de pilotar os dois. Tudo dependerá do que você procura. Se é uma sensação de desa o constante ao volante e força bruta sob o capô, o Challenger é ideal. Já se você é daqueles que gostam de uma tocada forte, mas com uma constante sensação de segurança, certamente se sentirá melhor a bordo do Passat CC, um modelo bem mais versátil. Agora, passar na rua e receber tchauzinho e sinal de positivo é algo que só o Dodge lhe proporcionará. A versão que em breve começa a ser vendida no Brasil, já como modelo 2011 (o avaliado era 2010), tem motor com cilindrada aumentada para 6,4 litros e oferece 470 cv de potência. Ainda mais violento!

No Passat CC, as rodas aro 18 também passam esportividade, mas de maneira bem mais discreta