“Caçar protótipos requer sacrifícios constantes porque eles não estacionam na porta da sua casa” – HANS LEHMANN

Acima, Lehmann no Vale da Morte (EUA). Aqui, seu primeiro grande agra: o sedã do Fusca, conhecido no Brasil como Zé do Caixão

Ele é um paparazzo. Mas nunca seguiu celebridades de carne e osso. O alemão Hans G. Lehmann dedicou sua vida a caçar novidades do mundo automotivo. Não é à toa que sempre foi odiado pelos fabricantes de automóveis, a ponto de Ferdinand Piech, exchefão da Volkswagen e hoje no conselho da marca, dizer: “Ao nos fotografar, ele está arriscando a própria vida”.

Hoje, aos 73 anos, Lehmann vive na cidade de Hamburgo, na Alemanha, de onde ele comanda sua agência Lehmann Photo Syndication, que nos forneceu alguns dos segredos que você acaba de conferir. De lá, agora aposentado, o fotógrafo nos concedeu esta entrevista exclusiva.

De onde veio a ideia de caçar segredos?

Não fui o primeiro, pois a revista francesa L’Auto- Journal já havia publicado fotos de um Citroën secreto em 1955, mas depois disso, por algum tempo, era o único fotógrafo especializado nisso. Cresci em Wolfsburg, perto da fábrica da VW, e me interessei cedo por carros. Fui trabalhar em Hamburgo, mas, em uma visita à minha família, cruzei por acaso com um protótipo da Volks, e o fotografei. Ofereci a uma revista, que comprou na hora, pagando bem. Foi o que me deu a ideia. Não decidi me especializar em carros, acabou acontecendo.

Como saber onde procurar segredos?

Caçar protótipos requer sacrifícios e viagens constantes porque eles não estacionam na frente da sua casa. Minhas fontes dão uma ideia de aonde ir, pois viajar aleatoriamente é jogar dinheiro fora. Com o tempo, aprendi aonde ir, e há lugares comuns para testes.

Basta sentar e esperar?

É preciso ter uma enorme paciência e muito sangue- frio para conseguir fotos boas. Caçar segredos é, principalmente, car esperando em ambientes desconfortáveis, como o frio absurdo do Círculo Polar Ártico, na Escandinávia, ou o calor do deserto californiano. Às vezes, eu ficava dias esperando…

Protótipos são testados em condições extremas. Quais os locais mais populares?

O Vale da Morte, na Califórnia (EUA), é um dos mais usados. Passei todos os meus verões lá, por anos e anos. Você se acostuma com o calor, e passa até a gostar da paisagem, bela e assustadora. As câmeras não podiam superaquecer, nem eu. Levava muita água e botas para evitar as picadas de cobra quando cava de tocaia. No frio do Ártico é pior. O frio é mais ameaçador que o calor. Andar na neve profunda é exaustivo.

Aqui, o Golf I, em 1973, na Espanha. Abaixo, o Golf II, agrado em 1982 no Arizona (EUA)

Acima, Lehmann com o colega de trabalho Piero (blusa preta) junto a uma unidade em testes do Lancia Thema. Mais abaixo, o protótipo do Mercedes C 111 equipado com motor Wankel

Qual seu flagra mais importante?

A primeira geração do Golf, em 1973.

Chegou a ser ameaçado por seguranças?

Sempre tentam bloquear as fotos, principalmente se o carro em testes vai substituir outro que ainda está à venda. Temos que ser rápidos para conseguir as fotos e evitar acidentes. Ao caçar um Audi 100, na Argélia, fui preso e mantido em um oásis. Na Alemanha, perto do campo de provas em Colônia, caí de uma árvore e quebrei umas costelas. Na Suécia, pilotos de testes da Volks me jogaram para fora da estrada; por sorte não me machuquei, mas meu carro ficou destruído. Outra vez, um piloto da BMW atirou pedras em mim. Mas nunca sofri nada grave.

Já foi processado por algum fabricante?

A BMW, a Volks, a Rover e a Porsche tentaram várias vezes me processar por espionagem industrial, e a polícia já bateu em nossa porta com mandado de busca. Mas nunca fiz nada ilegal: fotografo carros em lugares públicos. Mas, infelizmente, já tive que gastar uma fortuna com advogados.

Como é estar aposentado? Sente saudade do seu trabalho?

Hoje tenho o tempo que nunca tive para fazer outras coisas e viajo para lugares que não conhecia porque não havia carros em testes. Mas, quando chega o verão, ainda penso em ir para o deserto e, no inverno, para o Ártico. Devo fazer isso de novo um dia. Mas não será igual, claro!