02/03/2024 - 9:55
Texto e Fotos Flávio Silveira
“Próximo posto a 42 quilômetros”, alertava a placa na beira da estrada. Obviamente, se referia a postos de gasolina, etanol e diesel – combustíveis líquidos fáceis de achar e abastecer. Se fossem colocar uma placa dessas cada vez que ficamos a mais de 40 quilômetros de um eletroposto – com carga rápida, que de fato sirva a um elétrico –, estaríamos perdidos.
A dificuldade de recarga continua sendo a maior desvantagem dos carros a bateria em relação aos com motor a combustão. É o fator mais significativo para a rejeição dos elétricos, o que tem afastado consumidores e torna os carros tradicionais insubstituíveis, na prática, para grande parte deles.
Afinal, o preço de compra mais alto de um elétrico pode não ser um fator decisivo, a depender do cliente, e/ou de quanto pode ser compensado com a economia no uso, na manutenção e na tributação. Mas nada, até agora, elimina a dificuldade de recarga e a consequente “ansiedade de autonomia”, além de outros problemas que enfrentamos em nossos testes com elétricos: estação sem conexão em Ribeirão; carregador teimoso em Itu, pneu furado e sem estepe em Campinas, local inexistente em Leme, etc…
Agora, passamos mais 22 dias ao volante de um carro elétrico e rodamos mais de 1.000 quilômetros em regiões metropolitanas ricas, como São Paulo, Campinas, Itu e Sorocaba (SP) à caça de carregadores.
O escolhido foi o BYD Dolphin, já avaliado aqui, que elegemos Compra do Ano 2024 na categoria e hoje é o elétrico mais vendido do país (e de melhor custo-benefício). Por R$ 150 mil, é uma pechincha, só 20% a 25% mais caro que modelos a combustão similares, e muito superior aos rivais elétricos de valor parecido (e ainda tem custos de manutenção baixos). Por isso, o Dolphin está virando o primeiro carro “plugável” de muita gente.
Em carregadores com potência de 50 kW, o Dolphin é carregado de 10% a 80% em 40 minutos. Na prática, porém, a maioria das recargas teve potência efetiva entre 30 e 40 kW – ela varia conforme a temperatura, a carga da bateria, as condições do eletroposto, a instalação feita, a rede, etc. Na maioria das vezes se leva de 50 minutos a uma hora. O mesmo tempo que se leva para ir de 50% a 100%, na média. Isso porque a recarga fica mais lenta quando a bateria passa de 85%, pois tem dificuldade para organizar os elétrons – caindo a 25 kW, depois 15… Já a média de consumo final do Dolphin, nestes 1.000 quilômetros, ficou em excelentes 7,3 km/kWh (o equivalente a cerca de R$ 0,14 por quilômetro, a preços de São Paulo).
Uma picape a gasolina que estacionou na “vaga boa” perto da porta da Decathlon de Campinas, onde há um posto da CPFL, nos impedindo de carregar, e uma estrada de terra que o Dolphin enfrentou sem problemas; à direita, eletropostos da CPFL e da ATM EVs, e os “proibidos” das revendas da Volvo e da Audi em Campinas
O primeiro elétrico suscita muitas dúvidas, então achamos importante mostrar, na prática, como é carregar um carro desses fora de casa. Primeiro, porque muitos nos questionam, por exemplo, se dá para ter um BEV em uma casa ou apartamento sem wallbox (carregadores rápidos AC, de 7,2, 11 ou 22 kW), pois têm rodízio de vagas ou moram em prédios antigos, sem estrutura, entre outros motivos.
Não recomendamos: carregar de noite e acordar com a bateria cheia, como fazemos com o celular, é essencial para uma boa experiência com um carro a bateria (e, mesmo que consiga carregá-lo sempre na rua, vai custar caro: com exceção da CPFL de Campinas, que cobra R$ 1 por quilowatt-hora, a média ficou em salgados R$ 2, contra menos de R$ 0,90 em casa, sem ajuda solar).
O quadro de instrumentos (acima) é pequeno, com informações básicas: com a bateria cheia, diz que roda 405 quilômetros, mas dificilmente chega a isso. Na foto do centro, a tela que indica o estado da bateria, a potência de recarga e o tempo até terminar: no caso, 43 minutos para carregar 42%. No alto, o mapa de até onde a bateria consegue levar
Mas este teste não foi feito para ver se dá pra não ter wallbox em casa (há quem insista que dá, vinculando a rotina a carregar o carro “por aí”; já veremos como é difícil). O teste foi feito para ver se dá para ter um elétrico como único carro, e poder contar com ele para viagens que excedam suas curtas autonomias, raramente acima de 400 quilômetros. Isso nos modelos mais caros, e andando sempre bem devagar.
Neste Dolphin na versão de entrada, que tem bateria menor, não se faz mais do que 300 quilômetros na estrada sem reabastecer. Sim, viagens longas são o pior cenário para todos os carros elétricos – mesmo pra este, que fez boas médias de 6,5 km/kWh em rodovias, andando a 110-120 km/h, e, na cidade, frequentemente marcou de 9 a 10 km/kWh.
Além de gastarem mais na estrada, pra recarga ser mais rápida e não prolongar tanto a viagem, o ideal é a bateria não estar abaixo de 10% nem acima de 80% (faixas em que a carga fica lenta, variando conforme o modelo). Usar apenas os 70% da bateria que “restam” fora dessa faixa significa, no caso deste Dolphin, uma parada a cada pouco mais de duzentos quilômetros.
Ou seja, no mínimo de 25 a 30 minutos de recarga a cada duas horas de direção. Mesmo em elétricos que têm autonomia maior que isso, é cansativo. E esqueça “dar uma esticada” naquela reta vazia: andar um pouco que seja a 140 km/h ou mais é suficiente pra roubar preciosos quilômetros de autonomia.
Eletro-dificuldade
Indo direto à conclusão, viagens longas com carros elétricos são complicadas – diria que inviáveis –, pois dependem de muito planejamento e de uma boa dose de sorte. Não entrarei na questão de isso ser contra todo o princípio de carro, da liberdade de “cair na estrada”, etc.
Sendo pragmático, diria que uma viagem longa de elétrico pode ser viável só em condições perfeitas, quando se pode parar para carregar “apenas” 30 minutos a cada duas ou três horas de viagem. Mas, na prática, isso não existe, jamais está garantido.
Antes de sair, já tem a questão da localização dos postos – há concessionárias que fizeram “corredores” para facilitar, mas os resultados variam (a Rodovia dos Bandeirantes me pegou de surpresa: cheguei e o carregador estava sendo levado embora; isso faz um ano, e ele está abandonado desde então).
Neste caso, ou se o caminho não é um corredor, a coisa complica. Você precisará planejar cuidadosamente as paradas (e se acha que uma passada rápida em qualquer cidade média ou grande resolve, está enganado).
E vai precisar de muita sorte, pois é uma questão de (falta de) infraestrutura. Mesmo com planejamento, você vai depender, e muito, de cada um dos postos/pontos de recarga no caminho.
Nesse ponto, o teste até que começou bem: talvez só por não precisar dele, o primeiro eletroposto no caminho estava vazio. Com 95% de carga, decidi testá-lo. Era meu primeiro da Petrobras e precisei instalar os apps Premmia e EZVolt e me cadastrar. Perdi 15 minutos na tarefa, o dobro do que o carro levou para voltar aos 100%. Era um carregador de 150 kW, mas, com a bateria quase cheia, funcionou a 25 kW (de qualquer modo, o Dolphin aceita no máximo 60 kW DC); Depois, segui pra Campinas – e os problemas começaram a surgir, em uma sequência de dias infrutíferos.
Sim, chegou a hora de contar verdades sobre os eletropostos. Para começar, pontos para recarga de carros são sofríveis na quantidade e na qualidade. Não se iluda com carregadores rápidos AC em shoppings, mercados e afins. Em um de 7,2 kWh, é preciso uma hora para aumentar o alcance rodoviário em 35/40 quilômetros (que se percorre em 20 minutos a 110/120 km/h). Servem para garantir uma vaga melhor e um pouco de energia, muitas vezes grátis, mas não pra viagens. Neste caso, precisam ser AC de 40/50 kW.
O segundo problema é achá-los: é preciso ter e consultar vários apps, conforme a região, pois cada rede tem o seu.
• Há apps/sites como o PlugShare, que não libera carregadores, mas reúne dados sobre eles e permite fazer check-in e avisar ao terminar a carga – porém, como não é usado por todos, não adianta.
• Outros têm informações da rede em tempo real, mas às vezes estavam incorretas (e por duas vezes outro carro chegou antes).
• Há, ainda, indicações do GPS dos carros. O Dolphin estava desatualizado: indicou uma oficina em Jundiaí que tirou o carregador há tempos e eletropostos abandonados já citados (já ocorreu com outras marcas).
Depois de achar os postos, e se não forem trancados fora de horário comercial, como em algumas concessionárias, os apps podem voltar a ser um problema: o da CPFL de Campinas (eRecarga) criou problemas com o cadastro e não liberava dois de três plugues CCS-2 em um dos locais mais disputados da cidade. Avisei antes do Natal, em 10 de janeiro o problema continuava. Podia ser no carregador, mas não havia como saber, pois nunca temos para quem pedir ajuda.
Somos servidos ao abastecer com gasolina (pois a lei obriga), mas nos eletropostos ficamos sozinhos (frentistas, quando há um posto tradicional junto, nada sabem). E, quando o equipamento deles quebra, a pane seca é um problema seu – e muitos não consertam em domingos e feriados, quando mais viajamos. Tinham que oferecer carga, por gerador ou bateria, ou um guincho.
Aliás, poucos eletropostos ficam junto a lojas de conveniência ou têm área de espera. A maioria, de dezenas visitados, nem teto oferece. Em um posto tradicional de Campinas, como na maioria, os carregadores ficam afastados das bombas. E quase ninguém se preocupa em cobri-los.
• Duas vezes, sob tempestade, precisei descer do carro e me ensopar – em uma delas, ainda descobri que ele não estava funcionando.
• Em outro dia, o carro ficou carregando e fui andar: era domingo à tarde, o sol estava insuportável e tudo estava fechado, não tinha onde me abrigar. E não sentia nenhuma segurança, isolado ali, só com uma câmera me filmando.
• Ainda podemos somar à lista de problemas que enfrentamos: carros a combustão estacionados bloqueando carregadores (duas vezes em três semanas) e motoristas de aplicativos dominando eletropostos – encontrei o mesmo carro três vezes – chegam a fazer “filas virtuais” para ninguém mais usar (não consegui carregar uma vez sequer no Alto de Pinheiros).
• Por fim, as filas. Muitas filas, como comprovamos (a maior tinha cinco carros, dois carregando e três esperando). Afinal, cada veículo demora a carregar, e a maioria dos eletropostos tem só um ou dois “bicos” (que às vezes, pra piorar, dividem a potência). Dois carros na frente significa que a parada de “meia horinha” virou duas horas.
• Em todas as visitas – nos mais diversos dias e horários – achamos “bomba” livre em menos de 20% das tentativas. Simulando verdadeira necessidade, cheguei a gastar uma hora e meia e 15% da carga circulando por Campinas tentando carregar e não consegui – ou seja, só piorou a situação (se tivesse ficado na fila no primeiro posto, teria perdido só 45 minutos, e mais os meus 45 de recarga).
Alguém pode argumentar que tem um elétrico e não encontrou filas, ou nenhum desses problemas (até agora), naturalmente. De fato, muitos fatores podem afetar a experiência de recarga na rua: esse foi um teste intenso, com mil quilômetros, a maioria em trechos urbanos.
Tudo depende da frota de elétricos e da disponibilidade de carregadores na região, além dos horários e, acima de tudo, da sorte.
Mas, de modo geral, deixamos nossa recomendação, baseada não só neste, mas em muitos testes que fizemos com elétricos. Aliás, este terminou com o Dolphin plugado na tomada 220V da casa do sogro, por cerca de 4h30, para ir de 73 a 100% e garantir, sem ansiedade, o roteiro de retorno até o wallbox na garagem do meu prédio.
No fim, se você pode instalar um wallbox na sua casa, tem uma rotina bastante previsível e estável, ou vai usar o carro elétrico apenas, ou principalmente, na cidade, com raras viagens de mais de 250 quilômetros (ida e volta ou até um carregador 100% garantido), compre sem medo.
Agora, se for para depender dos eletropostos, ou se você pretende fazer com frequência viagens média e longas, que dependem deles, esqueça: não vale o estresse. Em um modelo a combustão, ninguém sai para viajar cheio de ansiedade com a autonomia, torcendo para o posto estar aberto e/ou sem filas de duas horas. Deixe o carro elétrico para usar no ambiente urbano – onde o benefício ambiental é bem maior – e seja livre e feliz.
Líder absoluto
Forma de Honda Fit, espaço interno de Toyota Corolla, acabamento acima da média e, ainda por cima, é elétrico! O BYD Dolphin ev chegou na última hora e já levou a Compra do Ano 2024 (Elétrico até R$ 200 mil). Em nossa avaliação inicial, estavam todos os pontos, além dos citados acima, que o levaram à liderança de vendas. Nesse período mais longo com o carro, se comprovaram.
As formas parecidas com a do extinto Honda Fit ajudam na versatilidade e é um carro neutro de se guiar, que não empolga, mas não decepciona em nada, e com um bom pacote tecnológico.
Ele não é perfeito, claro: pontos como a seção de música do sistema multimídia, o ajuste do volante, o travamento das janelas, o porta-malas pequeno e as qualidades dinâmicas, entre outros, podem ser discutidos, pois estão longe de ser perfeitos. Há diversos pontos que podem melhorar, obviamente, mas, hoje, por R$ 150 mil… é uma compra muito melhor do que oferece a concorrência.
BYD Dolphin ev
Motor: dianteiro, elétrico, síncrono
Combustível: eletricidade
Potência: 95 cv
Torque: 180 Nm
Câmbio: automático, caixa redutora de relação fixa
Direção: elétrica
Suspensões: MacPherson (d) e eixo de torção (t)
Freios: disco ventilados (d) e discos sólidos (t)
Tração: dianteira
Dimensões: 4,125 m (c), 1,770 m (l), 1,570 m (a)
Entre-eixos: 2,700 m
Pneus: 195/60 R16
Porta-malas: 345 litros
Bateria: LFP (Blade), 44,9 kWh
Peso: 1.405 kg
0-100 km/h: 10s9
Velocidade máxima: 160 km/h
Consumo na cidade: 7,1 km/kWh (teste MOTOR SHOW) – 51,9 km/l equivalente (PBEV)
Consumo na estrada (90 km/h): 6,7 km/kWh (teste MOTOR SHOW) – 43,5 km/l equivalente (PBEV)
Autonomia: 291 quilômetros
Recarga máxima: 6,6 kW AC (cerca de 7 horas para recarga total) / 50 kW DC (50% da carga em pouco mais de 30 minutos) Nota do Inmetro: A
Classificação na categoria: A (Médio)