A Fórmula 1 está inaugurando uma nova era nesta temporada de 2014, cuja abertura será em Melbourne, Austrália, no dia 16 de março. A adoção dos motores V6 turbo em lugar dos V8 aspirados não mudou apenas o  ruído ou a aparência. Os bicos dos carros são apenas a parte visível de uma mudança radical do regulamento técnico, que tentou contemplar, pelo menos no papel, segurança, economia e eficiência energética. Mas, enquanto os resultados dos primeiros testes coletivos (de 28 a 31 de janeiro em Jerez, Espanha) _ zeram a FIA já projetar algumas mudanças para 2015, as equipes técnicas estão tentando desvendar o enigma atual.

Para acomodar o motor V6 turbo de 1,6 litro, foram feitas várias leituras diferentes, de modo que aquela aparência praticamente homogênea de anos atrás já não ocorre agora. Nada impede, porém, que em pouco tempo estejam todos novamente parecidos. Bastará alguma equipe encontrar uma solução genial para que as demais a copiem. É coisa do passado a Fórmula 1 dos anos 1970, quando os carros começavam e terminavam as temporadas praticamente com as mesmas soluções técnicas. Hoje, milionária e ágil, a capacidade de transformação é gigantesca.

A Fórmula 1, ao longo de suas 64 temporadas completas, já passou por grandes desafios técnicos, mas nenhum deles com a dimensão do atual. Introduzido em 2006, o motor V8 2.4 aspirado de 750 cv cede lugar para a nova era dos turbos. Mas o panorama é outro, muito diferente daquele marcado pela estreia do Renault RS1 EF1, em 1977, e do Brabham BMW BT52, que, sob o comando de Nelson Piquet, obteve o primeiro título na Fórmula 1 com esse tipo de propulsor. Inclusive aquelas chamas na traseira dos carros, que tanto encantavam fãs e fotógrafos, também desaparecem em razão dos atuais sistemas de recuperação de energia.

Na prática, o novo motor da Fórmula 1 é uma espécie de três em um, o que tornará a frase “problemas de motor” mais genérica e sem explicar nada, assim como o famoso “problema hidráulico”, da época de Rubens Barrichello na Ferrari. Isso porque dois sistemas de recuperação de energia – de frenagem e calor do turbo – estarão formando o conjunto propulsor e adicionando algo em torno de 150 cv com intervalos de 30 segundos. É tanta coisa interligada – e foram tantos os problemas que se acumularam em Jerez – que ainda é cedo para dizer que o risco de colapso está afastado.

Como o turbo estará em ação a 12.500 rpm o torque brutal resulta, de imediato, em maior consumo de pneus. É por isso que os diretores da Pirelli não deixam de repetir que os pneus passaram também por uma revolução para enfrentar a nova fase. Em compensação, haverá menos consumo de combustível, o que gerou a diminuição do tanque. O reabastecimento continua proibido. Dos 160 quilos de combustível até então permitidos, os pilotos terão de se virar agora com apenas 100 quilos. Isso significa dizer que “pé embaixo” o tempo todo é receita de pane seca. Só que o “monstro” é menos feio do que inicialmente pode parecer. É que a simplificação das asas tem como resultado final um tempo de volta cerca de quatro segundos pior e menor e_ ciência aerodinâmica nas curvas. Mas a estratégia continuará vindo dos boxes.

Os bicos dos F1 ficaram muito diferentes porque a FIA derrubou a altura em relação ao solo, de 55 cm para 18,5 cm. Embora o resultado imaginado deva ter sido outro, o motivo foi nobre. Tudo para evitar as “decolagens” dos carros quando em contato com a traseira alheia. Está certo que não “decolará” mais, só que a chance de um carro se enfiar debaixo do outro aumentou. De fato, esse formato terá vida curta, pois a FIA já se apressou em iniciar estudos para 2015 – ou para este ano mesmo, se a coisa desandar.

Isso tudo garante uma Fórmula 1 tendendo ao equilíbrio, na comparação com os quatro anos de domínio da Red Bull Racing e de seu jovem tetracampeão, Sebastian Vettel. Isso não significa dizer que a equipe desaprendeu e ficará no final do pelotão, lugar que lhe foi reservado após os insucessos de Jerez. Ninguém ganha quatro títulos por acaso. Portanto, a Red Bull continua favorita. Por outro lado, a Mercedes aparentou ter feito a leitura correta das novas regras, assim como McLaren e Williams mostraram que podem estar renascendo. Há indícios de um início de temporada movimentado. Uma chance para Felipe Massa ressurgir, agora na Williams. Sendo realista, qualquer aposta é atirar no escuro e essa é a grande notícia, pois mudar tantos itens para a Fórmula 1 continuar previsível seria trocar seis por meia dúzia.