Quando a revista Placar revelou a Máfia da Loteria Esportiva, em 1982, muitos acusados reclamaram que a reportagem estava dando crédito a um delator que fazia parte do esquema. Então o sábio jornalista João Saldanha escreveu no Jornal do Brasil: “O que vocês queriam? Que a turma do futebol fosse entregue pelo dom Evaristo Arns? Ou por algum anjinho barroco? Dom Evaristo e o anjinho não se metem em sujeiras”.

Faço esse preâmbulo não para dizer ou sequer insinuar que exista qualquer coisa errada no comércio de carros, pois não há. Quero apenas ilustrar que nem sempre um jornalista consegue as verdades sobre as estratégias consultando as próprias montadoras. Às vezes, é preciso falar exatamente com os rivais delas. É caso da atual batalha sobre o mercado de sedãs japoneses.

Eu já escrevi que a Honda adotou uma estratégia discutível para o novo Honda Civic. Temo que o carro não consiga ser o sucesso comercial esperado pela montadora. A Honda discorda, pois tem pesquisas que indicam o contrário. Fui ouvir um alto executivo da Toyota e ele foi claro em sua análise: a Honda desistiu de brigar por volume com o Civic e prefere ganhar mais dinheiro em cada carro vendido. Normal. É uma estratégia usada por várias outras marcas. E a Honda tem produto, assistência técnica, pós-venda e tradição para seguir nessa linha.

Entretanto, business is business. Segundo o forecast da própria Honda, a expectativa é de comercializar 3.000 Civic/mês. Conseguirá? Vamos ver o que dizem os números de venda.

O novo Civic começou a ser vendido no dia 30 de agosto. Em setembro, ele chegou muito perto de seu objetivo, contabilizando 2.820 unidades emplacadas. Com isso, fez desabar as vendas do Toyota Corolla. Aproveitando a mudança de geração do rival, o Corolla atingiu 6.030 licenciamentos em agosto. Mas a chegada do novo Civic o fez recuar para 4.797 unidades em setembro.

Melhor para a Honda que 30% das vendas do novo Civic foram da salgada versão Touring 1.5 Turbo (R$ 124.900). A expectativa era de 28%. As versões intermediárias EX e EXL também foram além da expectativa: responderam por 56% do mix, quando o esperado é 48%. A versão de entrada, Sport, ficou com apenas 14%, mas a própria Honda acredita que ela subirá para 24%. Pelo menos 1.000 unidades desse volume eram de pré-venda.

É natural que os modelos mais caros (presentes na mídia) sejam mais vendidos no início. A questão é: qual será o real fôlego do novo Honda Civic? Nos primeiros 12 dias de venda de outubro, o Corolla registrou 1.812 emplacamentos. A projeção para o mês aponta 4.790 vendas, ou seja, apenas 0,1% a menos do que no mês anterior. As projeções de um rival comum dos dois, o Chevrolet Cruze, aponta para 1.431 carros vendidos em outubro, contra 1.442 em setembro (um recuo de apenas 0,7%).

Quanto ao Civic, emplacou 934 unidades nos primeiros 12 dias de outubro. A projeção para o mês é de 2.412 unidades. Se esse número se confirmar, a queda logo no segundo mês será de 14,5%. E a meta de 3.000 ficará um pouco mais distante. Mas pode ocorrer uma reação na segunda quinzena.

Recentemente, mas em outra categoria, a Fiat teve de rever drasticamente suas previsões para o Mobi, que tinha uma expectativa de 7.500 unidades/mês. A meta foi reduzida para 4.000 carros/mês. O preço do carro foi reajustado e as vendas chegaram a 3.840 unidades em agosto.

Muitas vezes não basta ter um bom produto. E o novo Civic de fato é um dos melhores carros do mercado. Porém, minhas dúvidas sobre seu sucesso comercial permanecem, devido à sua mudança de posicionamento, para cima. Uma fonte me contou que a margem de comercialização da rede Honda para o novo Civic 1.5 Turbo é de R$ 20.000. Significa que a nota de fábrica é R$ 104.900 para um carro que será vendido a R$ 124.900. Dentro desses R$ 20.000 cada revendedor precisa tirar seus custos para conseguir o lucro almejado. Essa mesma fonte disse que a procura pelo carro está sendo mais baixa do que o esperado, devido ao preço.

Vamos ver como os números se comportam. Vivemos num momento em que um scooter Vespa 125 está estreando com preço mínimo de R$ 22.890. E mesmo assim a Piaggio acredita que em dois anos conseguirá vender 35.000 Vespa no mercado brasileiro. Se isso se confirmar, acho que o Honda Civic de R$ 124.900 está até barato. E seguramente terei de rever meus conceitos sobre custo/benefício.