01/07/2010 - 0:00
Meio século atrás, aqui passava a Mille Miglia, uma das mais importantes provas do automobilismo mundial. Nessas curvas entre as cidades italianas de Bolonha e Firenze, disputavam lendas como a Ferrari 250 S e a Mercedes 300 SL. Por isso, antes de entrar na pista de testes, não poderia haver lugar melhor para confrontar duas herdeiras espirituais desses mitos: a Ferrai 458 Italia e a Mercedes SLS AMG. Substancialmente, são muito diferentes: uma tem motor traseiro, a outra, dianteiro; uma convida o motorista a uma inesquecível viagem, a outra o chama para experimentar os limites da dirigibilidade.
O que as une é a descendência famosa e o fato de serem dois superesportivos do momento. Ambas, aliás, já disponíveis no Brasil. Tanto a SLS quanto a 458 são excelentes Gran Turismo com potências parecidas (570 cv para a Ferrari, 571 cv para a Mercedes) e preços próximos – cerca de 200 mil euros (R$ 450 mil) na Itália.
Na Ferrari, ótima posição ao volante. Entrar e sair dela não exige malabarismos como na rival com portas do tipo asa de gaivota. Os assentos esportivos são ideais para estradas cheias de curvas
No volante, o mannetino, que configura a eletrônica do carro e a shift-light, no topo, que ajuda as trocas de marcha. Uma das saídas do escape triplo é falsa e os discos de freio têm 398 mm
Apesar da configuração mecânica (motor traseiro e câmbio de dupla embreagem), a evolução da F485 em relação à antecessora F430 é quase uma revolução. A começar pelo design. Mas, quando se abre a porta, a sensação é de que se está em casa: o volante semelhante ao de F1, o manettino (que controla o setup da eletrônica), o botão de partida e o contagiros centralizado… Tudo em seu lugar. A novidade está nas colunas laterais no painel de instrumentos, com duas telas que mostram muitas informações, da velocidade à temperatura, passando pelo entretenimento.
Dizer que uma Ferrari é potente e que é um prazer de guiar seria chover no molhado, mas a F458 é mais do que isso. Ela é curiosamente fácil de pilotar para um carro de 570 cv. Na pista, provou que pode fazer quase o mesmo que uma F430 ou uma Enzo, mas com uma facilidade desconhecida para elas.
Os bancos esportivos do Mercedes são confortáveis (mas não muito) e a posição ao volante é de um verdadeiro Grand Turismo. Ao lado do câmbio há vários comandos, inclusive o que liga o motor
A faixa acima do display central (que mostra, entre outros, o menu AMG, com informações do motor) tem luzes que vão se acendendo conforme sobe a rotação do motor (item essencial, dada sua potência). Para conseguir fechar a porta depois de entrar no carro, o motorista precisa ter mais de 1,85 m
O volante é tão direto e preciso que você se sente parte do carro e, com o manettino no modo Race, a F458 está pronta para qualquer solicitação. As curvas são puro prazer. Você esquece que existe o substerço, mérito do EDiff (diferencial eletrônico). Quando você aponta na curva, se preciso, ele estabiliza o eixo traseiro para evitar que as rodas escorreguem e, na saída, permite um sobresterço limitado, para que você possa redefinir a trajetória e se sentir um piloto experiente.
O motor 4,5 V8 (daí o nome 458; a F430 tinha um V8 4.3 de 490 cv) une bravura e uma disponibilidade absurda de torque em qualquer rotação. Chega às 9.000 rpm, mas você preferirá ficar entre 3.000 e 7.000 giros. A força é tanta que você pode andar no trânsito em quinta ou sexta marcha, a 1.500 rpm, sem problemas.
O câmbio automatizado de sete marchas (seis na F430) faz trocas tão rápidas que, quando o motor volta a encher, você ainda nem teve tempo de tirar o dedo da borboleta de trocas. Em relação ao conforto, ela também não deixa a desejar se o asfalto for liso. Entrar e sair dela não é problema.
O mesmo não se pode dizer da Mercedes. Abrir as portas asa de gaivota faz com que, de alguma forma, você se sinta parte da história do automóvel. Para colocar-se a bordo, no entanto, é necessário chegar bem perto do chão. Depois de sentado, se você tiver menos que 1,85 m, o único jeito de fechar a porta é apoiando o braço direito no volante, esticando bem a perna e dando um pulinho. No habitáculo foram mantidos a beleza, o bom acabamento e a racionalidade que são típicos da Mercedes.
O espaço é adequado a seu gênero, apesar da altura limitada. O painel tem dois instrumentos principais, contagiros e velocímetro e, no meio, a shift light e um display com informações como temperatura do óleo do câmbio.
Sentado ao volante, o capô parece infinito. Como você fica muito longe das rodas dianteiras e muito perto das traseiras, quando se contorna uma curva não tem a sensação de que o carro se move a sua volta, mas a sua frente. Nada que atrapalhe. Uma vez acostumado, o carro é puro prazer. O balanço da carroceria é limitado e a precisão das respostas impressiona.
O oito cilindros oferece um fundo musical esplêndido que te acompanha até as 7.000 rpm. O câmbio, no modo manual, não apresenta a mesma agilidade do da rival. Entre você acionar a borboleta e ter a marcha à disposição, passam-se instantes preciosos que, quando a curva está ali, a um metro, parecem uma eternidade. No modo automático, ele se faz perdoar. As saídas não são macias, mas a opção de escolher o setup ajuda bastante.
Na pista, a Ferrari mostrou-se superior. Acelerou de zero a 100 km/h em 3s3, contra 4s da SLS. A velocidade máxima da Ferrari também foi maior: 328 km/h (315 km/h na Mercedes). Na retomada, a Mercedes se saiu melhor: de 70 a 120 km/h em sexta marcha levou 3s7, contra 5s7 da rival. Para completar a volta da pista de teste da Quattroruote, a Ferrari precisou de 1’15″146, (um novo recorde) e a SLS, de 1’17″065.
A Mercedes se mostrou mais um excelente GT que um legítimo animal das pistas. Apesar de vencer em itens como instrumentos, climatização, acabamento, equipamentos e segurança (tem oito airbags), a Mercedes perdeu pontos em habitabilidade (por conta do acesso complicado), conforto (assentos menos confortáveis), câmbio, esterço e consumo. No final, a 458 levou 99 pontos (de 100 possíveis) e a SLS ficou com 98. Se considerarmos que, no Brasil, a Ferrari é muito mais cara (R$ 1,5 milhão contra cerca de R$ 700 mil pedidos pela Mercedes) essa diferença de um ponto pode se tornar desprezível.