No final de 1965, Nuccio Bertone começou a trabalhar no projeto do que seria o Lamborghini Miura. Em cinco anos, o estúdio produziu 850 carrocerias para o modelo

A quarta e última parada de nossa viagem pelos grandes centros de design da Itália foi na Stile Bertone. E, curiosamente, foi deles a melhor recepção. Talvez isso tenha a ver com o fato de esse ser um dos mais antigos estúdios da Itália e que, por isso, tenha nutrido a cordialidade típica da maturidade. Sua história começa em 1912, quando Giovanni Bertone, na época com 28 anos, abre em Turim uma oficina para consertos e construção de carroças com tração animal. No início do século, eram elas que povoavam as ruas e os automóveis ainda eram bastante raros na cidade.

À esquerda, o Citroën XM (em preto e branco) e o Opel Astra Cabriolet de 1993 (em verde). Acima, a Alfa Giulietta Sprint, dos anos 60, e o Lancia Artena, de 1932

À esquerda o Fiat Barchetta de 2004 (azul). Acima, o luxuoso Alfa 6C 2500 de 1947. Abaixo, frente e traseira do esportivo Lamborghini Countach, dos anos 70

Não demorou muito para a oficina virar referência pela robustez e qualidade construtiva dos modelos que produzia. Dois anos depois, nasce Giuseppe Bertone, segundo filho de Giovanni, que mais tarde seria conhecido mundialmente pelo apelido de Nuccio Bertone, um dos maiores mestres do design no mundo. Na mesma época, a Primeira Grande Guerra representou uma forte crise para a ainda frágil indústria italiana e Bertone é obrigado a suspender suas atividades. Mas, com o fim dos conflitos mundiais, a empresa volta a abrir suas portas, concentrando-se agora nos automóveis. Em 1920, Bertone inaugura uma nova sede onde trabalham 20 operários e, um ano depois, consegue seu primeiro trabalho importante: a encomenda de um Fiat esportivo. Nasce o 501 Sport Siluro Corsa, um tipo de veículo de alto desempenho que iria marcar a história da Fiat nos anos seguintes.

Acima, a moto BMW C1, um dos trabalhos mais novos da Bertone. Abaixo, do BAT 5, uma criação que revolucionou os conceitos de aerodinâmica automobilística

Os anos 20 são promissores. A Bertone fecha contratos com quase todos os construtores de automóveis da época e começa a construir carrocerias sobre chassis Fast, Chiribiri, Áurea, Acat e Diatto, mas as parcerias mais importantes são formadas com duas empresas de Turim: Fiat e Lancia. São elas que vão determinar o sucesso da empresa de Bertone. Vincenzo Lancia reconhece seu talento e se encanta pelo jovem, o encarregando da construção de carrocerias completas, sobretudo dos modelos de série limitada. É a primeira oportunidade que Giovanni tem de produzir veículos em escala.

Apesar da crise de 1929, Giovanni consegue manter sua empresa em funcionamento e, em 1932, cria o sofisticado e elegante Lancia Artena. Um ano depois, seu filho Nuccio, com 19 anos, entra oficialmente para a empresa. Em 1934, Bertone desenha o Fiat 527 Ardita 2500, que representa uma mudança no design automobilístico da época, a majestosa Lancia Aprilia Cabriolet e o Fiat 1500 Torpedo, que apresentava soluções técnicas inovadoras como a capota que desaparece totalmente dentro do corpo do veículo. O nome Bertone passa a ser consagrado por críticos e apaixonados por carros.

Com a Segunda Guerra Mundial, como praticamente todos os construtores da época, Bertone passa a concentrar sua produção em veículos de uso militar e cria uma ambulância com a mecânica do Lancia Artena. Depois da guerra, a Europa vive anos de reconstrução e Nuccio Bertone (que passa a comandar a empresa no lugar de seu pai) dá vida à Lancia Aprilia Cabriolet e ao Fiat 1100 Stanguellini de competição, que antecipou algumas tendências estilísticas de décadas seguintes.

Nos anos 50, a parceria com a Alfa Romeo rende duas criações importantes: a Giulietta Sprint – apresentada no Salão de Turim de 1954 como série limitada – que teve 40 mil unidades produzidas, e o conceito BAT (Berlinetta Aerodinâmica Técnica), de 1953 que revolucionou o design e as pesquisas no campo da aerodinâmica e foi seguido pelos BAT 7 (1954), BAT 9 (1955) e BAT 11, de 2008. Suas pesquisas no campo da aerodinâmica culminam em 1965 com o Abarth 750 Record, sobre a base do Fiat 600 e testada na pista de alta velocidade de Monza, onde bateu recordes percorrendo 4.000 km a média de 156,360 km/h. Na época, Bertone propõe esportivos que ganharam fama, como a Giulietta Sprint Speciale, o Aston Martin DB2/4 e a Maserati 3500 GT.

Os anos 60 consagraram os GT italianos e Nuccio Bertone fez cinco conceitos do tema: o Alfa Romeo 2600 Sprint, em versões cupê e cabriolet, duas Ferrari 250 GT, o Aston Martin DB4 GT “Jet” e a Maserati 5000 GT. Na mesma época, a Bertone criou o Simca 1000 Coupé e a BMW 3200 CS, os Alfa Romeo Canguro e Giulia GT, herdeira da Giulietta Sprint, e o Fiat 850 Spider. O sucesso comercial deste último modelo possibilitou a Nuccio aumentar a produção da empresa para 120 unidades/ dia. A década foi fechada com o contrato firmado com Ferruccio Lamborghini, uma parceria que entrou para a história da indústria e que gerou frutos como o Miura, apresentado em 1966, o Marzal (1967) e Espada (1968).

Nos anos 70, a Bertone tem 1500 funcionários e uma sede com 267 mil m2. Lança o Stratos Zero, um modelo apresentado no Salão de Turim que virou referência de design automobilístico. Em 1972, o fundador da empresa, Giovanni Bertone, então com 88 anos, morre e, como uma espécie de homenagem ao seu pai, Nuccio cria o Maserati Kamshin e o X1/9. Na mesma época, nascem o Lamborghini Countach e o Dino Ferrari 308 GT4 (73), Audi 50 e Innocenti Mini 90 (74), Fiat 131 Abarth Rally (75) e o Alfa Navajo (76).

No início dos anos 80, o Ritmo Cabrio e o X1/9 passam a ser também comercializados pela Bertone, com sua marca. Em 1982, a empresa cria o Citroën BX e três anos mais tarde inicia a produção do Volvo 780, do qual Nuccio assina o projeto completo do ciclo produtivo. Em 1987, Bertone cria o Opel Astra Coupé e Cabriolet. No final da década, a empresa lança o Citroën XM. Em 1993, entram em produção os novos Astra Cabrio e Punto Cabrio. Um ano depois, o ZER de Nuccio bate o recorde de velocidade para carro elétrico. Em 1997, Nuccio morre e sua esposa, Lili Bertone, assume a empresa que, em 2008, chega à beira da falência.

O governo toma o controle do grupo para garantir o pagamento dos salários, até que a Carroceria Bertone é vendida para um grupo italiano. Lili fica à frente apenas da parte de design do grupo, a Stile Bertone, que não entrou na negociação. Entre as últimas criações da Bertone estão os novos Astra Coupé e Cabriolet, a moto BMW C1 e, em 2008, o BAT 11. Um momento de pouco brilho para uma empresa com tanta história.

Fiat: sempre parceira

ANOS 20 – O Fiat 501 foi um modelo fundamental para a Fiat no pósguerra. Trazia motor de quatro cilindros, 1,5 litro com 23 cv de potência a 2.600 rpm e chegava à máxima de 70 km/h. O modelo foi produzido entre 1919 e 1926.

ANOS 30 – Em 1934, Bertone cria o Fiat 527S Ardita 2500, que representou uma mudança no design dos automóveis da época. O modelo teve diversas versões de carroceria. ANOS 40 – Aqui em versão cabriolet, o Fiat 1100 teve diversas versões. Entre as que mais se destacaram, uma versão Stanguellini, de competição. ANOS 50 – Foi nessa década, com o nascimento do Fiat 1400, que teve início uma nova era tanto para as carrocerias quanto para as técnicas construtivas italianas.

ANOS 60 – Um dos sucessos de Bertone, o Fiat 850 Spider foi criado em 1965 e trazia motor de 49 cv. Foram produzidas mais de 140 mil unidades do modelo.

ANOS 70 – O Fiat X 1/9 era o substituto do 850 Spider. Recebeu o motor central por insistência de Nuccio Bertone. Era uma unidade com 74 cv de potência.

ANOS 80 – O Fiat Ritmo (à esq.) foi apresentado em 1979 no Salão de Frankfurt e entrou em produção em 1981.

ANOS 90 – Bertone cria o Fiat Punto Cabrio (abaixo). Foram 54.960 unidades.