O campeonato de F-1 deste ano começou com os olhos no futuro: em 2014, a categoria sofrerá uma mudança nunca antes vista em seus 60 anos. O GP Brasil, no dia 24 de novembro deste ano, marcará o fim do motor V8 aspirado, abrindo um capítulo novo na história, adaptado às exigências atuais de marketing esportivo. A F-1 precisa se aproximar da realidade de nossa época, e isso significa tomar a estrada da ecocompatibilidade, conservando, ao mesmo tempo, o fascínio da velocidade e do desempenho extremo. Não apenas isso: para manter-se atrativa aos construtores, deve oferecer um regulamento que permita desenvolver pesquisas tecnológicas mais próximas da produção em série.

Está claro o caminho a seguir, tanto para a FIA quanto para as fabricantes envolvidas (mesmo as ausentes da F-1): downsizing de motores, reintrodução do turbo, maior papel dos sistemas híbridos (hoje limitado à tímida contribuição do Kers) e melhora na eficiência dos propulsores. Com alguns contratempos, como a enorme oposição da Ferrari aos motores quatro cilindros (muito distantes de sua realidade industrial), na metade de 2011 se chegou à definição de uma nova geração de propulsores. Eles passarão a ter seis cilindros em V a 90 graus, cilindrada máxima de 1,6 litro, turbo e um refinado sistema híbrido. “Mais que um simples motor, devemos falar em uma verdadeira power unit, composta por propulsor e ERS (Energy Recovery System)”, explica Pier Jean Tardy, responsável pelo V6 turbo da Renault. O ERS é um sistema de recuperação de energia semelhante ao Kers (que sobreviverá), mas perde a letra K porque não se limita a recuperar a energia cinética da frenagem.

Os trabalhos se iniciam com um motor térmico de medida padrão (diâmetro do pistão de 80 mm), quatro válvulas por cilindro, um regime de rotação não superior a 15.000 rpm e apenas um bico por cilindro. A injeção será direta (hoje é indireta) e o regulamento permitirá que a pressão atual, em torno de 100 bar, passe a 500 bar. “Esse é um belo desafio. Até agora não chegamos nem perto desses valores”, comenta Roberto Dalla, responsável pela Magneti Marelli Motorsport, que fornece os injetores atuais da F-1. “Fornecemos até 36 bicos diferentes, que variam conforme o cliente. Com injeção direta e 15.000 rpm, será complexo queimar toda a gasolina. É possível que, no início, nem todas consigam chegar ao regime máximo permitido”, completa.

Esse motor, cuja potência girará em torno de 550 a 600 cv, deve ser econômico. O regulamento prevê que, em nenhum instante o fluxo de gasolina supere os 100 kg/h e impõe uma quantidade máxima de combustível embarcado: de 100 kg por corrida (cerca de 135 litros): hoje oscila entre 135 e 155 kg, dependendo do circuito, com média de 140 kg (185 litros). O objetivo da FIA é obter uma redução de consumo de pelo menos 30%, sem alterar o desempenho. Mas como conseguir isso se o novo motor gera 150 cv a menos que o atual, de 750 cv? Eis que entra em cena a segunda parte do regulamento, sobre o sistema híbrido. Cada unidade será dotada de um motor-gerador. “A ideia é obter energia de tudo que seria desperdiçado, como os gases de escape. Estes, como de costume, acionam a turbina – mas a novidade é que no mesmo eixo do turbocompressor haverá um motor elétrico com potência de 90 kW e capaz de acelerar imediatamente a 120.000 rpm, aumentando a quantidade de ar que entra nos cilindros e incrementando a potência”, explica Tardy. Uma espécie de superturbo, no qual a ajuda do sistema elétrico anula o típico turbo lag. E tem mais: Segundo Tardy, quando a potência do V6 é excessiva para a exigência do piloto, esse motor elétrico “freia” o turbo e, como um dínamo, produz energia que é armazenada nas baterias do monoposto (com peso entre 20 e 25 kg) e, depois, volta às rodas através do sistema Kers. Esse sistema de freio elétrico pode, teoricamente, eliminar a válvula de alívio.

Como se vê, trata-se de uma arquitetura complexa que está dando trabalho aos engenheiros. Um dos problemas é onde colocar o motorgerador. Ao lado da turbina, seria submetido a temperaturas extremas. Por isso, muitos mostram certo ceticismo em relação à foto divulgada pela Mercedes de seu V6, na qual o motor elétrico fica nessa posição. E essa não é a única dificuldade: a confiabilidade terá de ser grande, já que o regulamente só permite o uso de cinco motores em 2014 e quatro no ano seguinte. Além disso, o conjunto não pode superar 155 quilos – lembrando que somente o Kers hoje tem 95 quilos. Por último, há o complexo sistema eletrônico que gerenciará tudo isso. “Usando a centralina igual para todos os times, projetaremos um sistema de coordenação de torque que nos permitirá ter um propulsor de eficiência superior ao dos diesel, e que poderá ser controlado pelo piloto de acordo com as estratégias da equipe”, revela Luca Marmorini. Quem trabalhará melhor as brechas e as limitações, só saberemos mesmo nos primeiros meses de 2014, quando os times começam os treinos coletivos.