Para os já iniciados, o Deserto de Sal de Bonneville, no Estado de Utah, remete a muitas imagens. Veículos futuristas disparados em velocidades insanas, quebras de recordes inimagináveis e super-homens que desafiam a resistência do ar e as leis da física com suas máquinas.

Em Bonneville, tudo é deserto. E mais deserto. Deserto que não acaba mais. Na realidade, é um local que se transforma ao longo do ano. No inverno, a vasta planície cercada de montanhas marrons é um lago formado por uma fina camada d’água. No verão, com a ajuda do forte vento, toda a água evapora e o sal domina a paisagem, de uma brancura quase infinita. É justamente quando isso acontece que surge por lá uma legião de entusiastas, loucos por velocidade. É assim desde o início do século passado.

Inicialmente, Bonneville recebia visitas esporádicas de homens com máquinas velozes e cronômetros nas mãos. Depois, como até as paixões passaram a precisar de um marco regulatório – ou simplesmente de uma data para catalizar o clímax -, os americanos decidiram marcar um compromisso fixo: desde 1948, sempre no mês de agosto, é realizada a Bonneville Speed Week (Semana de Velocidade de Bonneville). Basta pagar uma pequena taxa de US$ 50 para partir em busca da quebra dos próprios limites.

Sem caixa de câmbio, o Gus Gus, recordista deste ano, precisou de ajuda da picape para ganhar velocidade

Neste ano, um grupo de italianos decidiu desafiar os americanos, justamente na categoria de maior prestígio, a dos streamliners (também conhecida como “veículos de construção especial”). Fabio Montani, organizador e financiador da operação, conta que em 2007 começou a pensar sobre qual recorde bater. “Com a ajuda dos estudantes de engenharia da Faculdade Politécnica de Milão, construímos um streamliner com motor V8 Chevrolet a etanol, de 750 cv, montado em um monobloco de carbono Minardi”, resume.

O resultado é um míssil com oito metros que Montani levou para encarar a pista mais longa de Bonneville, com 12.874 metros. Com sua equipe, algumas ferramentas e jogos de rodas, partiram para o desafio, que só acaba quando termina a coragem – ou o orçamanto.

Sem câmbio e, portanto, incapaz de partir sozinho, o Gus Gus (nome do veículo, apelido do piloto) partiu puxado por uma picape. Sobre as rodas de 16″, ele começou a superar as várias etapas necessárias para, enfim, chegar à tentativa de superar o recorde, como exigem as regras do Deserto de Sal.

“A certa velocidade, você está em apuros, a única possibilidade é o para-quedas abrir”

Fabio Montani

Em Bonneville, praticamente qualquer veículo pode ser testado ao limite. Não importa a carroceria ou o motor que tenha

“O fiscal parecia não acreditar a cada vez que aparecíamos de novo pedindo liberação para correr. Achavam que éramos apenas aventureiros italianos, mas conquistamos o respeito deles”, conta Oscar Berselli, piloto que passou a vida correndo nas mais diferentes máquinas.

Depois de uma noite de descanso, exatamente às oito da manhã, Montani conseguiu a marca média de 480,57 km/h, com um pico de 495,27 km/h. A sensação? “Francamente o prazer é mais aerodinâmico do que automobilístico. O único medo era o dos paraquedas, usados como freio, não funcionarem direito, mas eles sobreviveram à desaceleração de mais de 2g. Pena não termos atingido os 500 km/h, mas chegamos muito perto. Provamos que é uma meta possível”, declarou o piloto recordista. Uma nova tentativa de recorde, portanto, já está marcada: agosto de 2012, no Deserto de Sal, em Utah.

Bonneville no cinema

Para os norte-americanos, o Deserto de Sal de Bonneville (Bonneville Salt Flats), situado na região oeste do país, é um cenário. O local representa a apoteose do ideal norteamericano de aprimoramento eterno – seja ele técnico ou humano, não importa. Por isso, era inevitável que Hollywood zesse uma homenagem ao lendário o local. Desafiando os Limites (The World’s Fastest Indian) é um longa metragem do ano de 2005 e seu roteiro foi inspirado na carreira do neozelandês Burt Munro. O piloto passou toda sua vida perseguindo o sonho de bater o recorde de velocidade com sua motocicleta Indian. No filme, o Burt Munro é intrerpretado pelo ator Anthony Hopkins (foto).

Acima, Montani e o chefe oscar Berselli. os acertos e testes no dia anterior (à esq.) e a comemoração da equipe (à dir.)

O primeiro homem-míssel

Malcolm Campbell, nascido em 1885, poderia ter levado uma vida sossegada. Filho de um comerciante de diamantes inglês, tinha uma carreira promissora nos negócios Mas depois de participar de corridas de carro, decidiu quebrar recordes. Em 1924, atingiu a marca de 235,22 km/h em um Sunbeam V12. Em fevereiro de 1927, voltou a Bonneville em um Blue Bird e conseguiu correr um quilômetro com a média de 281,447 km/h. Mas foi em 1935 que se tornou um mito, sendo o primeiro homem a superar os 300 km/h. Morreu de causas naturais aos 63 anos.