Quando o alto comando da Ford do Brasil decidiu que o face-lift da terceira geração do Focus seria o ponto de partida para turbinar as vendas da versão sedã, o departamento de marketing da empresa fez duas exigências pouco comuns: liberdade para mexer no nome e carta branca para definir o preço. Ganhou as duas! Por isso, o Focus Sedan agora se chama Ford Fastback, custa um pouco menos que os concorrentes japoneses (apesar de entregar mais equipamentos de série e mais potência) e terá uma milionária campanha estrelada por um astro de Hollywood para que os brasileiros entendam seu novo conceito e posicionamento.

Fez bem o marketing da Ford, caso contrário o carro continuaria sendo inexpressivo diante dos sedãs Toyota Corolla e Honda Civic, como tem sido sua sina desde o lançamento da primeira geração, em 1998. A ideia é chamar a atenção do público para o carro – portanto, nada melhor do que trazer à tona o lado positivo de seu design. Para os puristas, fastback é um carro que tem uma queda acentuada e ininterrupta do teto até o fim da tampa do porta-malas (requisito que o Focus sedã/fastback não cumpre), mas esse conceito é discutível e não tem unanimidade entre os especialistas. Na verdade, é preciso ter boa vontade para considerar o Focus sedã um autêntico fastback, mas o design ficou tão misturado, nos últimos anos, que também não se pode afirmar categoricamente que não é. Afinal, ele de fato também não tem o formato “três caixinhas” que caracteriza um sedã tradicional.

O problema (agora solução) do Focus é que sua versão hatchback também é diferente dos hatches convencionais. Se o hatch já tem uma traseira mais inclinada do que o habitual, é natural que o sedã também seja assim. Por isso, o marketing da Ford olhou para seu carro “diferente” e percebeu que o antigo patinho feio pode ser chamado de cisne. Vai gastar uma fábula para isso. O fato de ter o menor porta-malas da categoria (421 litros contra 470 do Corolla, 449 do Civic e 503 do Nissan Sentra, o mais volumoso) será tratado como um toque de esportividade ausente nos sedãs tradicionais — daí porque os “entusiastas” por automóveis estariam se afastando desse tipo de carro. Pelas contas da Ford, pelo menos 30% dos ex-compradores de sedãs (que estão migrando para crossovers e hatches premium) são esses “entusiastas”. A dinâmica do carro, que tem um motor 2.0 de 178 cavalos, também vai ser enfatizada. O líder Corolla oferece 154 cv.

Somadas, as versões hatch e sedã do Ford Focus vendem tradicionalmente mais de 20 mil unidades no Brasil. Em 2013 e 2014, o sedã respondeu por 34,4% e 39,7% das vendas, respectivamente. Mas, enquanto o Focus Hatch ocupa o segundo lugar em sua categoria, perdendo apenas para o Fiat Punto, o Focus Sedan dificilmente fica acima da oitava posição na dele. Na Europa, onde os rankings de carroceria são unificados, o Ford Focus emplaca mais de 220 mil unidades/ano, ocupando o segundo posto entre os carros médios, mas suas vendas não chegam sequer à metade do fenômeno VW Golf (mais de 520 mil carros/ano). Aliás, justiça seja feita ao antigo Focus Sedan aqui no Brasil, este ano seu desempenho está melhor em relação ao Focus Hatch: em seis meses ele emplacou 3.586 unidades, que representam 47,8% dos 7.497 licenciamentos obtidos pela outra carroceria. Pelo menos em 2015, o patinho feio não está tão feio assim!

Mudar de nome vai fazer o Focus ser um concorrente à altura dos sedãs tradicionais? Difícil saber. Muito tempo atrás, no Salão de São Paulo de 1972, a Chrysler apresentou o Dodge 1800. O carro teve muitos problemas de qualidade em seu início de fabricação e foi rebatizado de Dodge Polara na linha 1976. O Polara era muito superior ao 1800 e teve uma boa caminhada no mercado. Somados, o 1800 e o Polara tiveram mais de 92 mil unidades produzidas até 1981. Já a Renault trocou o nome do Clio Sedan para Symbol, em 2009, mas o carro só resistiu até 2013. Outro caso bizarro foi o do Chevrolet Vectra GT, um hatch produzido pela GM do Brasil de 2007 a 2011. Ele apenas aproveitava a boa fama do Vectra sedã, pois era na verdade o Opel Astra europeu (e de uma geração atrás). Dessa forma, o Vectra GT tinha uma distância entre-eixos menor que o Vectra Sedan, mas idêntica ao último Chevrolet Astra Hatch nacional, que tinha sido descontinuado. O próprio Vectra Sedan ganhou as linhas do Opel Astra Sedan europeu, mas com plataforma do Chevrolet Zafira. Enfim, uma confusão que a simples mudança de nome não resolveu.

Fora da indústria automobilística, nem sempre as mudanças de nome costumam dar certo. Um caso clássico é o do chocolate Lollo, da Nestlé, que sumiu das prateleiras brasileiras em 1982, junto com sua simpática vaquinha, e foi relançado como Milkybar porque algum gênio do marketing decidiu que os nomes deveriam ser unificados em todo o planeta. Três décadas depois, em 2012, finalmente a Nestlé reconheceu o erro e relançou o chocolate Lollo no Brasil. Outro exemplo curioso é o do estilista Ralph Lauren, cujo nome original é Ralph Liftshitz. Como “shitz” em inglês soa parecido com “shit” (merda), a mudança foi mais do que oportuna!

Na verdade, até países mudam de nome. A Argentina já foi Províncias Unidas do Rio da Prata, a Bolívia era Alto Peru, a Colômbia era Nova Granada e o Canadá era Domi. A China já foi chamada de Catai, o Congo era Zaire, a Etiópia era Abissínia, o Irã era Pérsia e o Iraque já foi um dia a Mesopotâmia dos nossos livros de História. O Brasil, como sabemos, também teve vários outros nomes – entre eles, Terra de Santa Cruz, Ilha de Vera Cruz e Pindorama.

Diante de tantas mudanças, que mal há em rebatizar o Focus Sedan de Focus Fastback? Que o patinho feio seja reconhecido como cisne e faça muito sucesso em Pindo… ops, no Brasil.