24/08/2015 - 7:00
Diz a lenda que o automobilismo começou quando o cara que comprou o segundo carro fabricado no mundo parou ao lado do cara que comprou o primeiro carro. Eles se olharam e aceleraram seus veículos, numa disputa informal sobre quem era mais poderoso. Segundo o filósofo francês Jean Baudrillard, “o automóvel é o objeto sublime”, porque é o único capaz de transferir vários aspectos de uma casa em sua utilização. E com ele o homem leva seu imaginário ao infinito, pois a velocidade o liberta. Por causa disso, o automobilismo virou uma profissão. Pistas especiais foram construídas, regras foram estabelecidas, máquinas maravilhosas foram inventadas e homens diferenciados se fizeram mito ao volante de seus carros de corrida. Essa combinação de tecnologia, habilidade humana e emoções atraiu o interesse de milhões, bilhões de pessoas ao redor do planeta. E os fabricantes de automóveis há mais de um século embalam os sonhos de todos aqueles que um dia sonharam com as glórias esportivas de um Juan Manuel Fangio, um Michael Schumacher, um Ayrton Senna ou um Jim Clark.
“Vença no domingo; venda na segunda” passou a ser um lema para todas as montadoras envolvidas no automobilismo. Questões mercadológicas, financeiras ou estratégicas põem ou tiram marcas famosas do mundo das corridas de tempos em tempos. Algumas, entretanto, olham para o automobilismo de modo diferenciado. Estão sempre envolvidas com a tecnologia e a emoção das corridas. Entre as marcas que vendem carros populares, de grande volume, uma das mais assíduas é a Renault. Portanto, nada mais natural que a montadora francesa esteja trazendo para o Brasil a marca Renault Sport — sinônimo de alta performance nas pistas e nas estradas. A partir de 1o de setembro estará à venda no Brasil o Sandero R.S. 2.0, primeiro carro da grife Renault Sport fabricado fora da Europa. Você pode ver a avaliação desse legítimo esportivo (direcionado para a classe média alta) na revista Motor Show de setembro ou no site da publicação a partir do dia 9.
Para além de entrar num nicho que está praticamente abandonado no Brasil, pois não podemos considerar os modelos que têm visual esportivo e desempenho xoxo, a Renault está trazendo um conceito. Ao contrário dos chamados “esportivados”, o Sandero R.S. é um esportivo legítimo. Depois dele virão outros. E junto com os carros R.S. (que entregam sensações ao volante) chega a filosofia Renault Sport. Três homens da Renault — o vice-presidente Alain Tissier, o diretor de comunicação Caíque Ferreira e o diretor de marketing Bruno Hohmann — estão debruçados sobre propostas que envolvem a realização de um campeonato brasileiro ou sul-americano de Fórmula 4 e talvez uma categoria de turismo com o próprio Sandero R.S.. Sabemos de pelo menos duas propostas que estão na mesa desses executivos: uma do Uruguai e outra do Brasil. É bastante provável que a empresa Vicar, que organiza o Campeonato Brasileiro de Stock Car, acerte com a Renault a inclusão de uma categoria de Fórmula 4 em seus eventos.
“Tenho arrepios quando lembro das corridas da Fórmula Renault no Brasil com as arquibancadas dos autódromos vazias”, me disse Alain Tissier num jantar em Curitiba. “Por isso, para voltar, teremos que estar associados com algum evento que já tenha público garantido.” Segundo Caíque Ferreira, a volta da Renault ao automobilismo brasileiro depende da homologação da atual Fórmula Renault 3.5 como Fórmula 2 pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo). A FIA ficou assustada com a chegada de Max Verstappen à Fórmula 1 com apenas 17 anos. Por isso, decidiu criar um sistema de pontuação envolvendo a Fórmula 2 (possível novo nome da Fórmula Renault 3.5), a Fórmula 3 (tradicionalíssima) e a Fórmula 4 (monopostos para jovens pilotos) para que seja concedida a licença para guiar na Fórmula 1. Aí está a oportunidade da Renault do Brasil.
Atualmente, a participação da Renault na Fórmula 4 concentra-se na França, numa competição também conhecida como Fórmula Campus. Outros motores homologados pela FIA para a F4 são o Abarth 1.4, o Fiat 1.8, o Ford 1.6, o Geely 2.0 e o Toyota 2.0. A ideia do trio Alain Tissier/Caíque Ferreira/Bruno Hohmann é criar uma categoria de fórmula para jovens pilotos brasileiros ou sul-americanos com o motor 2.0 usado pelo Duster e pelo Sandero R.S.. Isso daria aos jovens talentos brasileiros a possibilidade de somar pontos para uma futura licença na Fórmula 1 sem ter que mudar para a Europa, onde os custos são muito maiores. Por trás de tudo isso entra uma série de ações promocionais com clientes e revendedores da marca nos dias de eventos, como visitação aos boxes, contato com os pilotos, voltas rápidas nos circuitos ao lado de um piloto profissional, descontos especiais etc.
A Renault ocupa atualmente a sexta posição no mercado brasileiro, com 105.465 carros e comerciais leves vendidos de janeiro a julho. Sua fatia no bolo equivale a 7,1%. Uma posição excepcional se considerarmos que há poucos anos, conforme lembrou Tissier, “a Renault perdia 1 milhão de reais por dia no Brasil”. Ou seja: R$ 365 milhões por ano! Portanto, quando o Sandero R.S. aparecer nas propagandas da Renault, não se trata apenas de um carro esportivo que está chegando ao mercado, mas sim de um conceito de esportividade que envolve incrível expertise nas pistas sob a chancela da grife Renault Sport.
A Renault Sport nasceu em 1976, com a união das marcas Gordini e Alpine. Em 1977, ela inaugurou a era dos motores turbo na Fórmula 1. Em 2014, nada menos que 37.000 carros foram produzidos com a assinatura Renault Sport (cuja sede fica em Viry-Châtillon, nos arredores de Paris, abrigando 200 engenheiros). Considerado o maior berço do automobilismo mundial, pelas categorias da Renault Sport passaram 60% dos pilotos que compõem o atual grid da F1. O recorde para carros de tração dianteira do dificílimo circuito de Nürburgring, na Alemanha, pertence ao Renault Megane R.S. 275 Trophy-R, que percorreu os 22 km da pista em menos de 8 minutos.
E para ficarmos só nas estatísticas da Fórmula 1, a Renault Sport apresenta números dignos de respeito. Ela é a segunda marca de motores com o maior número de títulos (12), perdendo apenas para a Ferrari (16), mas disputou 548 grandes prêmios, contra 901 da escuderia italiana. Os motores Renault têm o maior número de poles (213, contra 208 da Ferrari), o terceiro maior número de vitórias (168, contra 224 da Ferrari e 176 da Ford) e a segunda maior quilometragem na liderança (54.013 km, contra 72.265 km da Ferrari). Além disso, a Renault levantou dois títulos de construtores (2005 e 2006), dois títulos de pilotos (2005 e 2006, com Fernando Alonso), 35 vitórias, 51 poles, 31 melhores voltas, 100 pódios e 12.148 km na liderança em 300 GPs.