“Carro antigo não anda, desfila.” Esse bordão é usado, com toda probidade, pela maioria dos antigomobilistas. Tem aforismos que, de tão verdadeiros, são incontestáveis. Ou quase isso. O pessoal da Bahia criou um maravilhoso: “Baiano não nasce, estreia.” Não sei qual seria a máxima usada para quem usa picape como carro do dia a dia (principalmente para locomoção, mas vale tarefas eventuais). A verdade é que andar de picape tem uma bossa diferente, um paranauê, um astral que nenhum outro carro carrega. Você pode andar de Ferrari, de sedã japonês, de SUV, de carro antigo, que seu estilo está quase chapado no para brisa. De picape, você é diferente. Se esse é seu barato – sair do comum, driblar o mainstream –, we have a point.

+A biblioteca básica do motociclista cool
+ Não basta acelerar, é preciso ter estilo

Picape empresta um caráter de 1) aventura; 2) pró-atividade (você está sempre pronto para algo); 3) individualidade (quantos cabem numa cabine?); 4) independência (intelectual e atitudinal). Há um efeito de estranheza no conjunto picape-motorista urbano que atrai a atenção. O que será que aquela figura faz? Será que quer posar de rebelde? Ela trabalha com entregas? Ele tem sítio/fazenda? Talvez carregue moto pra trilha? É batata: que raios esse ser humano quer expressar chegando – completar a frase: na festa, no trabalho, no bar… – com um carro desses?

A melhor camiseta pra dar um rolê sobre roda
Museu de carro: o prazer do conhecimento e do design
+ O Keith Richards da Fórmula 1

A personalidade da picape está no desenho. É utilitário pero no mucho. É um carro minotauro – meio bruto, meio gentil. Uma coisa meio super-herói (desculpe a referência poética): é uma barca? É um caminhão?

Aliás, falando em superlativos, vale observar que não é o tamanho ou o preço do modelo que importa (os homens devem conhecer a piada boba recorrente a respeito de quem usa superesportivos caríssimos). Nem a idade do veículo. O que vai fazer uma picape agregar ‘presença’ – emprestar estilo, tornar você mais atraente – é o quão à vontade você se sente nela.

Como inspiração, aqui vão dois filmes e um clipe em que uma picape pode somar ou não valor ao poder de sedução (no sentido amplo) do motorista. Spoiler: esqueça Twister, Mad Max, e De Volta para o Futuro. Esqueça filmes de ação, com Schwarzenegger, Stallone e patota. Enfim, aqui estão takes para homens e mulheres que apreciam a arte do charme, da sedução, da sutileza.

As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County, Clint Eastwood, 1995)
Clint Eastwood é um fotógrafo meio introvertido, na dele, que chega a uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos para fotografar as lendárias pontes com telhado da região e conhece a esposa de um local que não parece ser mais do que a esposa de um local. Papo vai, papo vem, começa a brotar nela (Meryl Streep) a vontade de conhecer o sujeito melhor, em todos os sentidos. Cada vez que ela vê a picape de Clint se aproximando, o espectador percebe a carga de romantismo que existe entre os dois.

 

Náufrago (Cast Away, Robert Zemeckis, 2000)
Este é aquele filme em que Tom Hanks fica meses perdido numa ilha deserta conversando com uma bola, o Wilson, depois que o avião em que voa para a Malásia cai no Oceano Pacífico. Seu personagem, dedicado funcionário da FedEx, é o único sobrevivente do desastre. Quando é finalmente resgatado, só quer saber de entregar a encomenda que sobrou da tragédia – dada sua obsessão, foi o que o manteve vivo. O endereço fica no interior rural dos Estados Unidos. Feita a entrega (deixou na porta), o personagem de Hanks, Chuck Noland (alô: no-land), está de novo perdido, mas em terra firme. Numa encruzilhada, no meio do nada, estaciona o jipão para consultar o mapa e uma moça, numa picape Ford 1953 enferrujada, para e oferece ajuda. Uma moça numa picape. Para. Puxa papo. Dá uma dica. E vai embora. Tem gente que lembra mais dessa cena do que do Wilson. É emblemática do conforto que o atormentado Chuck precisa. A picape, claro, ajuda a projetar nas nossas mentes o astral terreno, telúrico, down to earth, que o personagem busca. Ok, a moça ajuda. O cachorro na caçamba, também. A garota (a cantora country Lari White) entra na caminhonete e vai embora, deixando poeira. Hanks dá aquele sorriso de que o mundo pode ser um lugar legal.

Picture do Burn (clipe, Taylor swift)
A relação do dono com a picape, claro, fica melhor se for desencanada, como pede o conceito do carro (teoricamente). Do contrário, ao achar que uma caminhonete é o centro da sua vida, você pode dar um tiro no pé. Essa é uma armadilha que rola muito no interior americano e em alguns rincões brasileiros, onde picapes são usadas tanto como carro do dia a dia quanto como Lamborghinis (dependendo da grana e da visão de mundo do dono). Por isso, vale conferir a historinha desse clipe da cantora e compositora country Taylor Swift. Ela é traída pelo boyfriend, mas não deixa barato. Taylor, garota que nasceu na Pensilvânia mas fez sua carreira em Nashville e sabe tudo de picapes, cita justamente a caminhonete do safado para detoná-lo. Descreve o sujeito como um narcisista que nunca a deixou dirigir aquele trambolho, cheio de faróis e salamaleques, mas flagra o cara com uma peguete ao volante. O carro ganhou lugar de destaque na canção – o refrão. Diz assim: “I hate that stupid pickup truck/ you never let me drive/ you’re a redneck heartbreak/ who’s really bad at lying.” Se ligue.