10/01/2015 - 15:00
Quem acompanha a coluna República do Automóvel no site da Istoé Dinheiro já sabia no início de novembro, com os resultados de outubro, que o Volkswagen Gol poderia perder um reinado de 27 anos para o Fiat Palio. E isso se confirmou em janeiro, com os resultados de dezembro, como todo mundo já sabe: por uma diferença de apenas 386 veículos, o hatch da Fiat é o novo carro mais vendido do Brasil (183.742 do Palio contra 183.356 do Gol).
Mas aí vieram as análises. E, sinceramente, não concordo com algumas coisas que tenho lido. Por isso, mais uma vez, mergulhei nos números para saber se foi o Palio que ganhou o título ou se foi o Gol que perdeu. Já pelos números de dezembro uma coisa ficou clara: a Volkswagen lutou desesperadamente para manter a hegemonia do Gol, como era previsto. Por causa disso, o Gol teve um desempenho espetacular no último mês de 2014, dobrando a venda em relação a novembro e quase alcançando o resultado de dezembro de 2013, quando havia a dobradinha G4/G5 (antiga e atual geração). Juntos, Gol G4 e G5 fizeram 24.828 emplacamentos em Dez/13; sozinho, o G5 alcançou 24.150 em Dez/14 (uma diferença de apenas 678 carros).
Portanto, mesmo tendo perdido a hegemonia, a boa notícia para a Volkswagen é que o Gol G5 ainda tem muito potencial. Provavelmente alguém em São Bernardo do Campo levou uma bronca daquelas por ter relaxado o esforço de vendas do Gol no segundo semestre. Mas, calma! Esse potencial do Gol é muito maior perante frotistas, taxistas e profissionais liberais (vendas diretas) do que junto ao povão (vendas varejo). Afinal, enquanto ele conseguiu 3.012 vendas diretas a mais em Dez/14 do que em Dez/13, teve uma queda de 3.690 no varejo (sempre considerando Dez/13 e Dez/14). O Palio, ao contrário, subiu 1.264 carros nas vendas diretas e deu um salto de 7.375 unidades no varejo (Dez/13 e Dez/14).
Quando analisamos os números totais de 2014 comparados aos de 2013, notamos que o Gol caiu nos dois canais de vendas e que o Palio subiu nas vendas diretas e caiu no varejo. Isso pode dar a falsa impressão de que a derrota do Gol foi culpa das vendas diretas, canal em que o antigo G4 era forte porque a maioria das empresas compra o carro mais barato possível. Só que não. O Gol acumulou 89.773 vendas diretas em 2014, apenas 8.280 a menos do que os 98.053 que conseguiu em 2013. E o Palio ganhou somente 1.424 vendas nesse canal (foi de 44.605 para 46.029). No varejo, entretanto, o Gol despencou de robustos 157.004 em 2013 para 93.583. Foi uma queda de 63.421 carros. E que o deixou fora do “clube dos 100 mil” no varejo, superado não só pelo Fiat Palio (137.713), mas também pelo Chevrolet Onix (130.490) e Hyundai HB20 (112.451). Como o Palio havia registrado132.409 em 2013, sua queda foi de apenas 5.304 carros.
Conforme já se previa, a ausência da antiga geração G4 foi cruel para o Gol. Mas não só isso. Outro carro que teve papel fundamental na troca da hegemonia foi o Fiat Mille, antiga geração do Uno. Assim como o Gol G4, o Uno Mille deixou de ser produzido em janeiro de 2014. Acontece que a Fiat foi muito competente ao transferir os potenciais compradores do Mille em compradores do Palio Fire, que vem a ser a antiga geração do Palio. Somados, os modelos Gol G4, Gol G5, Fiat Palio Fire, Fiat Palio, Fiat Uno Mille e Fiat Uno venderam 616.433 unidades em 2013. Sem o Gol G4 e o Uno Mille, a venda somada desse grupo foi de 489.339 em 2014. Uma diferença de 127.094 veículos. A dupla Palio/Uno, entretanto, teve uma queda de 55.393 unidades, ou seja, menor do que a queda de 71.701 do Gol. Dessa forma, enquanto a Fiat passou a oferecer uma nova opção barata para a saída do Mille, a Volkswagen teve de contar com as vendas do novato Up, que não é barato como era o Gol G4. Num ambiente de queda de mercado, quem tem os preços mais elevados sofre mais.
A Volkswagen não gosta de divulgar as vendas de seus modelos por versões, mas dá para imaginar que o Gol G4 respondia por no máximo uns 39% das vendas totais do Gol (essa foi sua perda em 2014). Já o novo campeão Palio divide suas vendas em 50% para o Fire e 50% para a geração atual, segundo informações oficiais da Fiat. Dentro do “novo” Palio, as vendas são divididas entre quatro versões: Attractive 1.0 (50%), Attractive 1.4 (26%), Essence 1.6 (12%) e Sporting 1.6 (12%).
Finalmente, considerando que: 1) o antigo modelo Fire manteve na linha Palio muitas vendas que seriam perdidas com o fim do Mille; 2) a queda do Gol foi muito maior no varejo do que nas vendas diretas, desmistificando um pouco o G4; 3) a Fiat soube jogar com a dobradinha carro velho/carro novo; 4) a Volkswagen foi surpreendida pelas vendas limitadas do Up; afirmo que não foi o Gol que perdeu a liderança de 27 anos e muito menos foi o Palio que empolgou as massas para se tornar o novo campeão. Parece, de fato, um descuido estratégico da Volkswagen, que pode dar a volta por cima em 2015 e recolocar o Gol no alto do pódio.