O som do 6.2 V8 aspirado da Mercedes-AMG é inesquecível. O tamanho é exagerado e não há turbinas para abafá-lo. Não olhe para o céu, olhe para o retrovisor: esse trovão ressoa do escape da nova série especial do superesportivo. É a música dos 631 cv e 64,7 kgfm do novo SLS AMG Black Series, que avaliamos na França. Mas ele não estava sozinho.

Ao seu lado, a revolucionária versão superesportiva elétrica com quatro motores, um para cada uma das rodas, que geram, individualmente, 184 cv e 25,5 kgfm. É isso mesmo que você leu: a potência e o torque de um Mercedes Classe C200 “alimentando” apenas uma roda! No total, são impressionantes 750 cv e absurdos 102 kgfm (isso é mais torque do que se tem no V12 biturbo do SL65 AMG, até agora o mais forte motor da marca). O som? Bem, não há som. Ao menos não do lado de fora. Dá para escutar os pneus agarrando o asfalto, e mais nada. Eis o novo SLS AMG Electric Drive.

Os dois são Mercedes e têm carroceria quase idênticas. Foram desenvolvidos pelos mesmos engenheiros malucos da AMG, braço esportivo da marca. No interior, também são quase iguais… Tão iguais e tão diferentes. Podem ser vistos – por que não? – como opostos que se enfrentam. Passado versus futuro. Energia fóssil versus renovável. Sujo e selvagem versus limpo e controlado. Emissão de 321 g/km de CO2 versus emissão zero. Então, que comece o duelo. O cenário é o belo circuito de Paul Ricard, em Le Castellet, Alpes Marítimos, no sul da França.

Os dois não se enfrentam no mesmo traçado: prudente, a marca decidiu colocar rédeas em seu monstro elétrico de € 450 mil (R$ 1.163.000). Foi limitado a um canto do autódromo, com uma pequena reta e muitos cones. Talvez nem precisasse de tanta cautela e depois explico o porquê. Mas, felizmente, com o Black Series de € 250 mil (R$ 646 mil) os alemães não tiveram o mesmo cuidado. Fomos autorizados a acelerar pelo traçado principal do autódromo – limitados só por outro “Black” conduzido pelo piloto da DTM Bernd Schneider (que, segundo ele próprio, usava “apenas 65% do potencial do carro”, o que já era demais para nós, mortais).

O SLS Black Series é uma versão limitada mais leve e mais potente. A perda de peso foi obtida graças ao uso de fibra de carbono em vários componentes, do tubo de transmissão (-13,3 kg) aos freios de cerâmica (-16 kg), passando pelos bancos (-15 kg). Já a potência extra resulta de uma recalibragem do motor. Bem à moda antiga, o enorme V8 não tem comando variável, start-stop, injeção direta, nada disso. Não se preocupa em consumir menos nem em ser confortável. Bancos elétricos e outros itens “inúteis” que adicionam peso foram dispensados. É um verdadeiro carro de corrida adaptado às ruas.

Os pneus traseiros são muito largos, 325/30 R20, e ajudam a manter o carro sob controle – mas não sem a ajuda da eletrônica. No modo Sport+, selecionado por um botão junto ao câmbio, a traseira – para onde vai todo o torque – escapava facilmente sempre que eu acelerava no meio das curvas. O que me colocava de volta à segurança era sempre o ESP. Não ousei desligálo. Além do som, a fúria é sentida a cada troca de marchas, seguida de explosões de energia. O zero a 100 km/h em 3,6 segundos comprovei; os 315 km/h de máxima, não. A reta acabava aos 240 km/h, quando os robustos freios de cerâmica eram colocados à prova. E não decepcionavam.

Já o Electric Drive, como disse anteriormente, não precisava ter sido contido. Ele é à prova de idiotas e de idiotices. É absurdamente grudado ao chão. Afinal, são quatro motores elétricos em posição baixa, pesando sobre os dois eixos – que são ligados por um túnel formado por mais de 500 kg de baterias. E é aí mesmo que está grande parte de seu problema. Não no centro de gravidade, mas nessa “gordura” toda que um monte de fibra de carbono tenta compensar. Em vão. Com mais de duas toneladas, o ED é quase 40% mais pesado que o BS. São 2,81 kg/cv, contra 2,45 kg/cv. E aí, mesmo com todo seu torque e potência extras, fica para trás. Leva “longos” 3,9 segundos para chegar aos 100 km/h e tem a máxima limitada a 250 km/h.

Seu centro de gravidade nem precisava ser tão baixo, pois esse elétrico tem mais recursos para manter o controle. Como cada roda é ligada a um motor, um cérebro eletrônico central se encarrega de enviar a força exata a cada uma delas a cada momento, ou até freá-las individualmente, se necessário, para que o carro obedeça sem hesitar a qualquer comando do motorista – por mais inesperado que seja. A obediência é tanta que chega a perder um pouco a graça. Mesmo o fato de o torque todo ser entregue a 1 rpm não revela um carro impetuoso, mas um robô sem alma… É tudo muito preciso, a aceleração é muito linear. As borboletas no volante podiam simular marchas para animar as coisas, mas só ajustam a recuperação de energia de frenagem. Faltam “ruídos de condução”.

Mas nada é mais frustrante que a ausência de ruído e, com ele, lá se vai parte da diversão. Dentro da cabine, um som artificial tenta dar emoção ao motorista, mas não funciona… “Evitamos usar um ruído normal de combustão, criamos um som próprio”, explicou Tobias Moers, chefão da AMG. Saí de Paul Ricard feliz com o que vem por aí. O futuro terá carros elétricos emocionantes, sem dúvida nenhuma. Mas ainda não chegou a hora.