Neste Brasil da pandemia descontrolada, a cada início de noite tomamos um soco no estômago quando são divulgados os números assustadores de óbitos. Mas quando alguma pessoa querida entra para essa trágica estatística, a notícia chega como um espancamento emocional. Ontem, lamentavelmente, foi assim que me senti ao saber da partida precoce do meu amigo Daniel Messeder, 39 anos, jornalista dos melhores, mais uma vítima desse misto de praga biológica e irresponsabilidade pública.

Conheci o Dani numa viagem da BMW a Málaga, só nos dois de jornalistas brasileiros. Ele, garotão, pela revista Carro, eu pela Autoesporte. Em meia hora de papo no voo ele já tinha me contado toda a sua vida profissional e amorosa pregressa. Sempre foi transparente em demasia, e precoce em seu talento. Já sonhava em se casar e ter filhos. “Por que tanta pressa, rapaz?”, eu lhe dizia.

Após a coletiva de imprensa, tínhamos algumas horas livres. Eu fui me banhar no Mediterrâneo, enquanto ele se enfiou na sala de imprensa e começou a escrever a matéria. “Por que tanta pressa, rapaz, ainda não é fechamento da edição”. Ele já estava antenado no mundo digital, escrevendo para a Carro Online, e eu ainda 100% analógico.

Dia seguinte, dia de testar os esportivos da BMW pelas sinuosas estradas das montanhas do sul da Espanha. Nos revezando ao volante, em certo momento tive de pedir para ele pegar leve, pois estava ficando mareado (e não sou disso). “Por que tanta pressa, rapaz? Curta um pouco a paisagem!”

Dani era uma figura ímpar. Carioca, boa praça, bom papo, logo conquistava todos à sua volta. Na volta ao Brasil, surgiu uma vaga de editor na Autoesporte. Recomendei na hora ao Marcus Gasques o Daniel. Ganharíamos um craque no time, em parceria com o consagrado Hairton Ponciano Voz, e desfalcaríamos a Carro, uma concorrente que nos incomodava nas bancas.

Daniel veio, e ajudou Autoesporte em sua fase de maior circulação em décadas de história. Ele era aguerrido, rápido e competitivo. Vestia a camisa das revistas onde trabalhava (antes da AE, passou por 4×4, Oficina Mecânica e Carro).

Com o tempo, se tornou o melhor avaliador de carros do país. Não era o mais técnico, nem o mais esteta. Mas sabia traduzir com perfeição o carro para os clientes interessados na compra. Seus comparativos sempre foram um primor de esclarecimento aos leitores leigos. Razão e emoção na dose certa.

Era workaholic e extremamente ansioso. Chegava da apuração e já se sentava para escrever. “Por que tanta pressa, rapaz?”, às vezes eu dizia. “A revista é mensal, pode burilar o texto com mais calma”. Ele preferia partir para outra reportagem rapidamente.

Depois da Autoesporte, Dani mergulhou de vez no mundo digital. Ao lado do Fábio Trindade, transformou o Carplace (hoje Motor 1) num fenômeno de audiência, até chegar à liderança. Tudo muito rápido, bem ao seu estilo. Queria vencer sempre, talvez por isso tenha escolhido o Flamengo, e não o Botafogo do seu pai.

Casar e ter filhos era uma meta antiga, desde antes do nosso primeiro papo no avião. Seu sonho se realizou ao conhecer a Raquel Mozardo, então na Mercedes, hoje minha querida colega na Anfavea. Se conheceram, se apaixonaram rapidamente, se casaram, logo veio o lindo Enzo. Tudo muito rápido, bem ao estilo dele. Tive a honra de cobrir as férias-paternidade dele, em minha fase de autônomo. “Glaucozinho, cuida bem dos meus meninos”, brincou, se referindo a alguns dos seus “alunos”, hoje grandes jornalistas do setor. Excepcionalmente, era paciente e cuidadoso para ensinar sua arte aos mais novos.

De bem com a vida, com a família dos sonhos, sucesso no melhor site de carros do país, Daniel finalmente parecia mais tranquilo. Veio a maldita covid, e ele estava ansioso para voltar logo para o home office, queria o laptop para escrever nos primeiros dias de internação.

Depois disso, só drama e dor. A mesma de centenas de milhares de brasileiros. Mas nunca foi só estatística, e Dani jamais será apenas mais um. Brilhou em tudo o que fez por aqui, continuará brilhando na memória de todos que tiveram a sorte de trabalhar ou conviver com ele.

Por que tanta pressa, meu amigo? A saudade já machuca.

*Glauco Lucena é jornalista e e gerente de imprensa da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)