Quando os três Porsche 919 Hybrid (#18 preto, #17 vermelho e #19 branco) garantiram as três primeiras posições no grid de largada das 24 Horas de Le Mans deste ano, com o trio Dumas/Jani/Lieb (#18) colocando quase 3 segundos de vantagem sobre o Audi R18 e-tron (o #8 do trio Di Grassi/Duval/Jarvis), estava claro que a corrida deste ano seria disputadíssima. Afinal, havia pela frente 395 voltas e 30 pit stops numa pista ocupada por 55 carros.


O Audi #7 e o Porsche #17 se revezaram na liderança no início. Abaixo, um pit stop do Porsche #18, que marcou a pole, e uma soneca de Nico Hulkenberg

Mas, devido às 13 vitórias obtidas nas últimas 15 edições das 24 Horas, a Audi foi para a corrida como favorita. E durante as primeiras 12 horas de corrida realmente a Audi se manteve na briga pela vitória, ocupando esporadicamente a liderança com o carro #7 (Fassler/Lotterer/Treluyer) nos momentos em que o Porsche #17 (Bernhard/Webber/Hartley) fazia suas paradas para reabastecimento.


O Porsche #19 junto com o #17, o Barão Vermelho, que chegou uma volta atrás devido a um pênalti. Os dois carros dominaram as 24 Horas. Abaixo, pit do Nissan #21

 

De qualquer forma, o Porsche #17, apelidado de “Barão Vermelho” em Le Mans, ditava o ritmo da corrida junto com o #18. Mas a noite foi longa demais para os Audi, que simplesmente não conseguiram acompanhar a impressionante velocidade e regularidade dos Porsche. Só que, ao contrário do que todo mundo esperava, quem amanheceu na liderança foi o #19 pilotado por Nico Hülkenberg, Earl Bamber e Nick Tandy, que chegou uma volta à frente do Barão Vermelho e duas à frente do melhor Audi (o #7).


Na reta Mulsanne, uma ultrapassagem do Toyota #1 sobre o Nissan #21: conceitos diferentes

Para o fã de automobilismo que não aguenta mais as modorrentas corridas da Fórmula 1, com suas regras engessando a criatividade das equipes, as 24 Horas de Le Mans são um bálsamo. A corrida faz parte do calendário FIA WEC (Campeonato Mundial de Endurance) e, a despeito de seu foco na resistência, os pilotos andam o tempo todo com o pé embaixo. Dormem pouco mais de quatro horas durante a maratona. O Porsche 919 Hybrid, por exemplo, usa motor 2.0 V4 turbo com injeção direta que desenvolve 507 cv de potência.


No alto: visto de traseira, o Nissan GT-R LM Nismo revela como é diferente, pois os pneus de trás são menores que os da frente. Acima: um pit stop do Audi #7 e a roda gigante, atração de Le Mans, atrás do #19. Abaixo: chicane da reta Mulsanne

Trabalhando em conjunto com dois Kers (sistema de recuperação de energia), o V4 a gasolina da Porsche mostrou-se mais econômico do que o 3.7 V6 turbodiesel de 565 cv da Audi. E olha que a Audi conseguiu melhorar a eficiência de seu motor, mesmo tendo vencido as 24 Horas do ano passado. Basicamente, os Audi perderam a corrida pelo consumo, pois fizeram dois pit stops a mais dando duas voltas a menos. Embora as duas marcas pertençam ao Grupo Volkswagen, não houve moleza na disputa entre a Porsche e a Audi.


À esquerda, o cansaço do mecânico e o Toyota #2. Abaixo, o trio vencedor sobre o magnífico Porsche 919 Hybrid: fim de um jejum de 17 anos em Le Mans

As equipes são independentes. Enquanto a Audi entrega sua sorte à expertise do Team Joest (várias vezes campeão em Le Mans), a Porsche tenta resgatar uma tradição que começou em 1970, quando venceu pela primeira vez, com um 917K pilotado por Hans Hermann e Richard Attwood. O domínio da Porsche atravessou praticamente três décadas, pois entre 1970 e 1998 (a última com o modelo 911 GT1) ela venceu 16 edições da corrida mais famosa da Europa. Uma nova era de domínio da Porsche estaria começando?

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A ousadia da Nissan

GT-R LM Nismo é resultado da liberdade do regulamento: motor dianteiro com tração dianteira

 

Na semana anterior à corrida, o chefão da divisão motorsport da Nissan, Darren Cox, disse que “o maior desafio de Le Mans são os 365 dias de Le Mans e não as 24 horas de Le Mans”, referindo-se à proeza que foi construir um carro totalmente novo em poucos meses. Mas, ainda que a Nissan use essa corrida para testar inovações, a competição foi duríssima. Seu melhor resultado em 10 participações foi uma pole position conquistada em 1990 pelo modelo R90CK.

Como fornecedora de motores para a categoria LMP2, a Nissan venceu as 24 Horas em 2011, 2013, 2014 e 2015. Assim como em 2014 foi a Le Mans com um carro elétrico que parecia um triciclo, este ano ela apareceu com um carro de tração dianteira e com o motor V6 biturbo instalado na frente do piloto. Por causa disso, a dianteira é enorme e os pneus da frente são maiores do que os de trás.


Momentos da volta da Nissan a Le Mans: um pit stop (acima) o volante do GT-R (no alto, à esqueda), Jann Mardenborough (à esquerda) formado no Play Station e o #22 durante a corrida

Carros com motor e tração dianteiros são os mais usados no dia-a-dia, mas nas pistas eles sempre perdem para os de tração traseira (onde um eixo é direcional e o outro é motriz). Os carros #21 e #23 terminaram a prova 153 voltas atrás. A ideia do diretor técnico da Nissan, Ben Bowlby, foi concentrar 65% da massa do carro na parte dianteira e reduzir o arrasto na traseira. Apesar de comemorar a resistência do GT-R, a Nissan deve manter apenas o motor dianteiro em 2016, adotando tração integral.

Outra inovação da Nissan é o fato de três de seus pilotos terem saído há poucos anos da GT Academy, um programa com a PlayStation para dar a “pilotos de sofá” a chance de pilotarem um carro de corrida real. Foi assim que Jann Mardenborough, Lucas Ordóñez e Mark Shulzhitskiy realizaram o sonho de muitos fãs das corridas de Play Station e correram de verdade em Le Mans este ano.