“Sua vez de dirigir”: basta ouvir esta frase para minhas mãos começarem a suar. Talvez porque, pela primeira vez, vou dirigir um Lamborghini – ou ainda, talvez, porque um carro destes vai custar no Brasil algo entre R$ 1,5 e R$ 2,5 milhões. O destino é a fábrica da Lamborghini, em Sant’Agata Bolognese, em Bolonha, Itália: uma simpática vila perto de Modena, lar das arquirrivais Ferrari.

O famoso trio de superesportivos – Ferrari, Maserati e Lamborghini – há muitas décadas é orgulho da indústria italiana. Porém, nem sempre tiveram vida fácil, tanto que nenhuma delas conseguiu se manter independente. Ferrari e Maserati acabaram controladas pela Fiat, e a Lamborghini teve destino semelhante.

Após anos de controle pela americana Chrysler (de 1987 a 1994), desde 1999 a Lamborghini faz parte do grupo Volkswagen, sendo dirigida pela Audi, mais íntima dos esportivos. Nossa avaliação é feita exatamente nas estradinhas que ligam Sant’Agata a Modena. Não por acaso, uma Lamborghini ou Ferrari não chama muita atenção por aqui – elas fazem parte da paisagem.

Mas só por aqui, pois em qualquer outro lugar do mundo ver um carro desses é um verdadeiro acontecimento. O piloto de testes da “Lambo” para o Murciélago LP 640 (justo ele, o mais forte, com nada menos que 640 cv) na beira da estradinha, diz: “signore…” e aponta o volante. As portas são lindas, abrindo em direção ao céu, mas não é fácil entrar e sair da cabine. Entro desajeitado e escorrego em direção ao banco-concha, joelhos desviando do volante.

Com os 12 cilindros em V roncando em feroz marcha lenta, estranho colocar um cinto de apenas três pontos. Tudo indicava que lá existiria um de quatro pontos, como os de competição. No interior, salta aos olhos um painel cheio de instrumentos, em uma disposição própria de pistas de corrida.

O toque de classe, bem à italiana, fica para as grandes costuras em linha branca (mesma cor da carroceria) no couro negro. Mas, definitivamente, o que se impõe é o motor. Aliás, um carro destes é motor – todo o resto pode ser considerado apenas acessório.

Mesmo andando com o ar-condicionado ligado, o Murciélago está longe de ser confortável. O som metálico dos 640 cavalos do motor, com 6,5 litros, entra na cabine, já que seu posicionamento entreeixos o deixa exatamente nas costas dos ocupantes.

Tudo o que se escuta é aquele ruído de eixos rodando em meio a um coro de 12 cilindros descarregando gases num elaborado escape de aço inox. Não há conforto algum, apenas uma sinfonia de potência de uma máquina pronta para dar o bote e chegar aos 100 km/h em ínfimos 3,4 segundos.

Também não há alavanca de câmbio, só duas grandes borboletas atrás do volante, prontas para engatar as seis marchas do câmbio automatizado. Acelero com cuidado e o Murciélago sai sem trancos. Para mudar as marchas nem tiro o pé do acelerador, pois o sistema de corte do motor dá aquela embaralhada, retomando com um leve coice.

Com o pé mais no fundo, vira uma “patada” nas costas. O ruído nas trocas de marcha é puro charme de F-1: depois de uma leve embaralhada, a aceleração volta firme.

É até difícil descrever as emoções a bordo de um parente tão próximo dos carros de Fórmula 1

Tudo acompanha essa sede de velocidade. Mesmo com assistência, o volante é rápido e preciso, assim como os enormes freios a disco com oito pistões nas pinças dianteiras. A suspensão e a altura do solo também não foram nem um pouco pensadas para buracos: mais que firmes e de pequeno curso, tudo foi projetado para rodar acima de 300 km/h.

Rodando pela Itália rural, aproveitamos uns 100 ou 200 cavalinhos, no máximo. Não valia a pena ser preso pela polícia. Mesmo passeando a 60 km/h, com qualquer cutucada no acelerador o velocímetro apontava 160 ou 180 km/h, em menos de 100 metros. Há sempre aquele gosto nervoso de carro de pista amansado para as ruas, que se agarra no asfalto graças à tração permanente nas quatro rodas.

Mas as ruas e as estradas são sempre muito pouco, ainda mais para o nervoso Murciélago. Mais caro, chega em 2010 por cerca de R$ 2,2 milhões (e sua versão Roadster ficará em estimados R$ 2,5 milhões). Vamos para o Gallardo, que estreia no Brasil agora em novembro, na versão Spyder (cerca de R$ 1,7 milhão).

A porta abre e o calor italiano invade a cabine, assim como o ruído do motor V10, de 5,2 litros, também com posicionamento central. Afinal, são “apenas” 560 cv a 8.000 rpm, com tração total e câmbio automatizado de dupla embreagem. Mesmo com a capota abaixada, o ar-condicionado cria uma gelada brisa interna para contrastar com o sol.

A cavalaria do Gallardo consegue mesclar ainda melhor a docilidade com o exagero de potência e torque à disposição de qualquer maluco ao volante. As sensações ao dirigir um Lambo Spyder na tarde ensolarada atrapalham qualquer julgamento – ou não.

Naquele momento, parece fácil descobrir por que se paga milhões por um carro destes: o que se compra são exatamente as sensações – de potência, de ruídos, de precisão, de rodas agarrando o asfalto, de estética refinada – talvez sua última qualidade seja mesmo chamar a atenção.

Isto, por mais que seja certo, realmente não importa. O que mais importa para os apaixonados por estas máquinas italianas é o prazer de rodar pelas ruas e estradas com um parente bem próximo dos carros de Fórmula 1.

A Murciélago também tem motor central e, com 640 cavalos, é um dos carros mais potentes fabricados no mundo, hoje. Sem dúvida nenhuma, um carro para poucos

Linha artesanal

A fábrica da Lamborghini é, no mínimo, diferente. A começar pela charmosa placa na Via Modena 12: um totem negro com um pequeno símbolo do touro. Apesar de existirem linhas de montagem, o ritmo é bem diferente de outras montadoras, com um trabalho quase artesanal.

Os carros são empurrados manualmente e no ritmo de produção vale mais o capricho do que a velocidade. Na seção de tapeçaria, ou de couro, apesar de o corte ser feito a laser, o resto do trabalho é todo artesanal. Assim, são montados apenas cerca de oito carros por dia. No total, em 2008 foram produzidos 2.400 Lamborghini: por isso custam tão caro.