Nas próximas semanas os canais de televisão e as páginas de classificados dos jornais ficarão lotados de promoções tipo “aproveite o IPI baixo e compre seu carro novo agora”. Toda vez que vai vencer o prazo da alíquota menor concedida pelo governo, as montadoras fazem essas promoções e vão chorar em Brasília. O governo normalmente cede e o IPI abaixa de novo. Isso ocorre porque o Brasil, embora tenha um mercado que só de janeiro a outubro deste ano emplacou 2,7 milhões de automóveis e comerciais leves, ainda tem uma população extremamente pobre para ter acesso a um carro zero quilômetro.

A cada veículo novo vendido no Brasil, nada menos que 3,4 usados são negociados nesse imenso patropi. O governo, como sempre, faz tudo errado. Ao invés de facilitar a produção e venda de carros zero quilômetro, dificulta o máximo que pode e ainda comete o cúmulo de cobrar mais imposto (IPVA) do carro novo do que do usado. O resultado disso é que a frota de 45,4 milhões de automóveis/comerciais leves do Brasil é amplamente dominada por carros velhos.

Enquanto a venda de novos atingiu 2,7 milhões em outubro, os negócios acumulados de janeiro a outubro no mercado de usados já passou a marca de 8,2 milhões de veículos, sendo 6,7 milhões de automóveis de passeio e 1,5 milhão de comerciais leves. Em questão de preferência não existe muita diferença na escolha do consumidor. Assim como no mercado de carros novos, no de usados a Volkswagen (26%), a Fiat (23%) e a Chevrolet (22%) dominam mais de 70% das vendas. Gol (99.032 negócios), Uno (60.853) e Palio (56.309) foram os carros mais negociados no mercado de usados em outubro, de um total de 914 mil transferências.

Uma análise nos números mostra claramente a pobreza do consumidor brasileiro de carros usados. O Toyota Corolla, por exemplo, que foi lançado no Brasil em 1998 (portanto há 17 anos), só agora começa a chegar às garagens de muitos brasileiros. Nada menos de 15.689 pessoas adquiriram um Corolla usado em outubro passado, contra 6.326 felizardos que compraram um Corolla zero quilômetro. Dezessete anos, para se ter uma ideia, é o máximo que a cidade de Paris, por exemplo, permite de idade para que um automóvel possa circular na cidade.
Em nosso gigante território, entretanto, ainda se vende mais Fusca (sim, aquele velho ícone da Volks) do que versões zero quilômetro do Fox/CrossFox ou do Ford Ka. Em outubro, enquanto o Ka vendeu 8.342 unidades e o Fox/CrossFox vendeu 9.683, nada menos que 10.251 pessoas compraram um Fusca velho, que nem é um dos mais vendidos do ranking: ocupa a 15ª posição. O veteraníssimo Santana, dos anos 80, registrou 5.121 vendas em outubro, um número próximo dos 6.441 do novíssimo Up, um dos orgulhos da atual engenharia da Volkswagen.
Alguns carros parecem ser eternos na vida dos brasileiros. Só isso e a sempre titubeante política industrial do governo podem explicar as altas vendas mensais de carros como o Chevrolet Vectra (10.442), VW Parati (9.326), Chevolet Astra (9.113), Ford Escort (7.715) e Chevrolet Monza (6.503). Todos esses modelos saíram de linha há anos.

Se uma pessoa com situação financeira razoável precisa esperar 10 anos para comprar aquele carrão bacana, imagina o faturamento de quem precisa esperar 20 anos para realizar o sonho de ter um… Monza! Ou 30 anos para ter um… Escort! Dessa forma, a frota brasileira é uma das que mais poluem no mundo, além de causar dispendiosos congestionamentos e terríveis acidentes nas estradas. Por isso a música de Ivete Sangalo, que vem lá dos anos 90, continua sempre atual:

Cheiro de pneu queimado
Carburador furado
Coração dilacerado
Quero meu negão do lado
Cabelo penteado
No meu carro envenenado…

Eu vou, eu vou, então venha
Pois eu sei
Que amar a pé, amor
É lenha…

Quer andar de carro velho, amor
Que venha
Pois eu sei que amar a pé, amor
É lenha…