Três meses e meio de quarentena. E a única certeza que tenho, depois do início dessa experiência insólita e sem volta, é que nossas vidas jamais serão como antes. Mas recuso-me a gastar minhas sandálias aqui, neste texto, falando do impacto da pandemia do novo coronavírus. Todo mundo sabe como a coisa está pegando.

Então, proponho que sejamos pragmáticos e encaremos a nova ordem — social, global, íntima e pessoal — com a maior serenidade e segurança possíveis. E, claro, seguindo à risca as recomendações da ciência para enfrentar e superar esta fase sem precedentes.

Armado desse espírito, ontem parti com minha família para o estádio Allianz Parque, casa da Sociedade Esportiva Palmeiras em São Paulo, para conferirmos uma das primeiras noites do evento Arena Sessions. Basicamente, a ação transformou o campo de futebol em um drive-in: um grande estacionamento a céu aberto, capaz de acomodar até 285 carros diante de um telão e um grande palco. 

Até o dia 19 de julho, o público poderá curtir filmes clássicos, disputas de e-sports, apresentações de stand-up comedy e shows no novo espaço. Todos os detalhes da programação estão disponíveis no site oficial. No nosso caso, escolhemos a sessão das 20h de Jurassic Park, clássico dirigido por Steven Spielberg em 1993. Isso posto, vamos à experiência.

A CHEGADA

Ao nos aproximarmos do estádio, pouco mais de uma hora antes da sessão, fomos encaminhados para o estacionamento da Rua Padre Antônio Tomás. Assim que entramos no espaço da arena, fomos abordados por duas bombeiras com termômetros infravermelhos em mãos, devidamente vestidas com luvas cirúrgicas. Seus rostos estavam cobertos por máscaras e protetores de plástico transparente. Pouco depois, constatamos que o mesmo figurino, com exceção das luvas, era o padrão para todos os funcionários do evento.

Com os vidros abertos e as temperaturas devidamente checadas, fomos orientados a desligar os faróis e seguir adiante. À nossa frente, um túnel iluminado por luzes azuis de neon ajudava a turbinar a expectativa. 

 

Expectativa: o túnel que dá entrada para o gramado do Allianz Parque. Foto: Helio Gomes/Motor Show
Expectativa: o túnel que dá entrada para o gramado do Allianz Parque. Foto: Hélio Gomes

Logo que “pisamos” no gramado, percebemos que toda a área havia sido coberta por um tapete de plástico super resistente. E rapidamente já estávamos estacionados em nossa vaga: fileira E, número 10. Na verdade, não levamos mais do que 10 minutos entre a chegada ao estádio e esse momento. 

Nossa vaga: fileira E, número 10. Foto: Helio Gomes/Motor Show
Nossa vaga: fileira E, número 10. Foto: Hélio Gomes

Duas grades de ferro nos separavam de nossos vizinhos, mantidos a dois metros de distância. Acoplada a uma delas, um quadro trazia as instruções e regras do evento — uma lista constantemente relembrada antes da sessão por mensagens no telão e por mais um funcionário, que foi até o nosso carro assim que estacionamos. Elas são:

Para uso de banheiros e outras informações utilize o QR code (o código abria uma conversa de Whatsapp, na qual as instruções para chegar ao banheiro mais próximo eram passadas)

É proibido buzinar

Não projete qualquer parte do corpo para fora do carro

Permaneça dentro do veículo durante toda sessão

Sintonize na rádio frequência 107.7 FM para ouvir a sessão

Descarte a embalagem nas lixeiras da saída

Também acopladas às grades de ferro, duas caixas de som garantem o áudio poderoso para quem quer ver o filme de janelas abertas — uma recomendação da organização, aliás. Mas também há a opção de sintonizar uma rádio dedicada direto no som do carro, garantindo a qualidade mesmo com os vidros cerrados. Debaixo de chuva, ou na garoa de ontem à noite, o recurso é fundamental.

Áudio poderoso: nas caixas instaladas fora do carro ou no rádio. Foto: Helio Gomes
Áudio poderoso: nas caixas instaladas fora do carro ou no rádio. Foto: Hélio Gomes

Quanto à qualidade do vídeo, fiquei com a impressão que fomos privilegiados por investir no setor premium. Mesmo assim, a tela não parecia tão grande da quinta fileira — imagino, então, para quem estava na última, como mostra o quadro abaixo.

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Depois de alguns minutos de espera, ao som de um DJ de música eletrônica — bom para quem curte, dispensável para quem não gosta — o filme finalmente começa. E aí basta acomodar-se e curtir a experiência como se fosse numa sala de cinema ou no sofá da sala.

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QUANTO VALE O SHOW?

O custo da brincadeira é váriavel. Paga-se por carro, e não por cabeça, então a conta individual depende do número de pessoas embarcadas. No nosso caso, o ingresso para quatro saiu por R$ 217 — R$ 180 + taxas por uma vaga no setor premium. Ou seja, R$ 54,25 por espectador. Um lugar no setor comum custava R$ 120, sem as taxas. Mas não tenho como avaliar a qualidade da experiência de quem escolhe as fileiras mais distantes da tela. 

Quando leva-se em conta que uma saída para ir ao cinema em um shopping de São Paulo envolve ao menos R$ 20 de estacionamento e tíquetes que podem chegar aos R$ 40 numa inteira, até que a diversão não é tão salgada. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito dos comes e bebes.

Quanto aos shows e demais eventos já agendados, basta visitar o site oficial para conferir preços e condições de pagamento. Não encontramos informações sobre descontos para estudantes, mas há tarifas diferentes para PCD, “patrocinadores” e “parceiros”.

Mantendo a tradição dos drive-ins originais, tudo é entregue por um funcionário na janela do carro. Para fazer os pedidos, é preciso baixar o aplicativo NadaPay, disponível para iOS e Android. Aí é só escolher entre duas “lojas”: uma para bebidas e pipocas e outra para uma lanchonete tradicional. 

Cardápio salgado: alguns dos produtos disponíveis na Arena Sessions
Cardápio salgado: alguns dos produtos disponíveis na Arena Sessions

Como a imagem acima revela, é bem fácil gastar mais de R$ 50 por pessoa em comidinhas e bebidas durante uma sessão. Portanto, vá preparado para gastar ou deixe o jantar para depois do cineminha.

THE END

Muito bem. Depois de encarar minha primeira experiência social de entretenimento na pandemia, concluo este relato com algumas constatações.

1- O celular é o canivete-suíço do mundo contemporâneo. Todos os passos foram feitos e intermediados pelo meu smartphone — da compra do ingresso à ida ao banheiro. Se o 4G estiver funcionando, tudo rola tranquilamente.

2- Cada vez mais, nossos carros serão extensões de nossas casas. O transporte privado, individual ou familiar, deve ganhar muita força ao transformar-se em sinônimo de segurança e isolamento.

3- Quando todos os envolvidos são responsáveis, é possível encontrar formas viáveis de curtir a vida na pandemia. Basta abrir a cabeça, aceitar as novas condições do jogo e mergulhar. 

Que venham os próximos capítulos deste livro de realidade fantástica. Estaremos aqui para vivê-los intensamente.