23/10/2018 - 7:00
Você diz “Toyota” e pensa em veículos econômicos, sejam a gasolina ou híbridos – principalmente na Europa, onde esses últimos dominaram a linha da marca, estruturada em best-sellers globais como Corolla, Prius, RAV4 e Camry. Mas no DNA da Toyota também se encontra o gene da esportividade, expressado no passado e hoje em modelos como o AE86, o Celica e o GT86: uma história que re-emergirá em 2019 com a quinta geração do Supra, e no ano seguinte será reimaginada com um hipercarro híbrido, derivado do GR Super Sport Concept. O cupê foi antecipado em Genebra pelo GR Supra Racing Concept e desenvolvido pela Gazoo Racing, divisão responsável pelo automobilismo da casa (WEC, WRC e Dakar).
O que faz imaginar um futuro do modelo nas competições, bem em uma época em que a maioria da concorrência, para conter despesas, abandona as corridas e o desenvolvimento de produtos de alto desempenho. Então vem a pergunta: por que, em um mundo que só fala de SUVs, eletromobilidade e direção autônoma, a Toyota ainda vai investir em corridas? Questão de DNA, e dessa vez humano. Porque “as corridas de carros são vitais para o desenvolvimento da indústria” e representam “uma oportunidade para superar os limites do desempenho ao limite, permitindo (…) avançar na tecnologia”. Palavras ditas em 1952 por Kiichiro Toyoda, fundador da marca.
Com um avô assim, Akio Toyoda só podia ser mesmo um grande entusiasta de carros: muitas vezes usa um terno à prova de fogo e capacete como os funcionários da Toyota – marca da qual, aliás, é o presidente. Mas, além de um apaixonado com licença para correr em Nürburgring, Akio também é “super-gerente” e sabe usar muito bem sua calculadora: a sustentabilidade econômica do projeto Supra depende da partilha dos custos de desenvolvimento e produção com a BMW, que faz junto o seu novíssimo Z4. E embora nos seis anos de colaboração entre as marcas não tenha faltado integração cultural e operacional, essa inesperada parceria nipo-bávaro foi fisiológica: as duas empresas são presididas por “dinastias” (a BMW é comandada pela família Quandt), acreditam no prazer de dirigir e no sagrado motor com receita 6 cilindros em linha, desaparecidos da linha Toyota desde 2002, junto com o Supra.
Motor indispensável para honrar o legado do modelo e lhe conferir credibilidade – agora com sobrealimentação. As soluções de engenharia do spider alemão caíram como uma luva para o cupê japonês: os dois carros compartilharão plataforma, powertrain (incluindo também o 2.0 de 4 cilindros da BMW), a configuração da cabine com assentos “secos”, a distribuição de pesos 50:50 e, claro, tração traseira.
As diferenças, porém, serão marcantes: Supra e Z4 manterão carrocerias com características construtivas distintas. O Supra será mais rude: “Terá o dobro de rigidez torcional do GT86 e um centro de gravidade ainda mais baixo”, diz Tetsuya Tada, engenheiro-chefe e “pai” dos carros. Outro “selo de qualidade” será o logo GRMN (Gazoo Racing Masters of the Nürburgring), que certifica a afinação por lá. Já o BMW focará em sua identidade de grã-turismo e no fascínio pela capota de lona, que permitirá ao novo Z4 perder alguns quilos em relação à geração atual, com teto rígido. Além do design externo, eles também se diferenciarão pelos interiores. Compartilharão, porém, o câmbio automático de oito marchas, que no japonês deve ser a única opção com o 6 cilindros. Eles serão feitos na mesma linha de produção, em território neutro: a austríaca Magna Steyr.
E enfim chegamos ao hipercarro. Talvez o palco do Salão de Tóquio, onde estreou em janeiro passado, não tenha feito justiça ao GR Super Sport Concept. Talvez até a imprensa tenha dado pouco destaque ao fato de o protótipo tinha luzes e suportes de placa. E passaram quase despercebidas as palavras de Shigeki Tomoyama, presidente da Gazoo Racing, que na ocasião destacou que o conceito representava “um novo desafio: produzir modelos esportivos derivados de carros de corrida.”
Em outras palavras, o futuro hipercarro híbrido da marca estava bem ali, debaixo do nariz de todos, mas quase ninguém havia notado. A notícia de que o carro será produzido, então, pegou todo mundo de surpresa. A versão final será desenvolvida pela Gazoo Racing, tornando-se a versão de rua do TS050 Hybrid que corre no Campeonato Mundial de Endurance (WEC). Quase desnecessário dizer que a produção será limitada a poucas centenas de exemplares, vendidas a cifras com seis zeros no fim.
Os segredos do hipercarro de lítio e carbono
Como a versão de corrida, o Super Sport de produção vai adotar um sofisticado chassis monocoque de fibra de carbono, com um V6 biturbo central de 2,4 litros com injeção direta: ao motor a combustão de 500 cavalos serão ligadas duas unidades elétricas, uma por eixo, alimentadas por baterias de íons de lítio. O powertrain híbrido deve usar um câmbio sequencial de sete marchas, instalado transversalmente. Entre os refinamentos técnicos estão a suspensão push-rod com braço duplo oscilante (no corte acima) e freios carbocerâmicos.
A potência máxima do motor THS-R (Toyota Hybrid System-Racing) deve ficar em torno de
1.000 cv, despejados no solo por uma tração integral. As linhas se submeterão à aerodinâmica, com superfícies projetadas para quebrar o ar e gerar downforce: mais estabilidade e aderência em altas velocidades. Para entrar no cockpit, projetado para dois, será preciso pular um degrau, como fazem os pilotos da LMP1. A ressurreição do Supra e o inédito Super Sport serão pilares do ressurgimento da Toyota como marca com alto índice de emoção. Quando isso acontecer, será prova que eco-compatibilidade e esportividade podem coexistir. Akio Toyoda está convencido disso.