Você diz “Toyota” e pensa em veículos econômicos, sejam a gasolina ou híbridos – principalmente na Europa, onde esses últimos dominaram a linha da marca, estruturada em best-sellers globais como Corolla, Prius, RAV4 e Camry. Mas no DNA da Toyota também se encontra o gene da esportividade, expressado no passado e hoje em modelos como o AE86, o Celica e o GT86: uma história que re-emergirá em 2019 com a quinta geração do Supra, e no ano seguinte será reimaginada com um hipercarro híbrido, derivado do GR Super Sport Concept. O cupê foi antecipado em Genebra pelo GR Supra Racing Concept e desenvolvido pela Gazoo Racing, divisão responsável pelo automobilismo da casa (WEC, WRC e Dakar).

O que faz imaginar um futuro do modelo nas competições, bem em uma época em que a maioria da concorrência, para conter despesas, abandona as corridas e o desenvolvimento de produtos de alto desempenho. Então vem a pergunta: por que, em um mundo que só fala de SUVs, eletromobilidade e direção autônoma, a Toyota ainda vai investir em corridas? Questão de DNA, e dessa vez humano. Porque “as corridas de carros são vitais para o desenvolvimento da indústria” e representam “uma oportunidade para superar os limites do desempenho ao limite, permitindo (…) avançar na tecnologia”. Palavras ditas em 1952 por Kiichiro Toyoda, fundador da marca.

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Com um avô assim, Akio Toyoda só podia ser mesmo um grande entusiasta de carros: muitas vezes usa um terno à prova de fogo e capacete como os funcionários da Toyota – marca da qual, aliás, é o presidente. Mas, além de um apaixonado com licença para correr em Nürburgring, Akio também é “super-gerente” e sabe usar muito bem sua calculadora: a sustentabilidade econômica do projeto Supra depende da partilha dos custos de desenvolvimento e produção com a BMW, que faz junto o seu novíssimo Z4. E embora nos seis anos de colaboração entre as marcas não tenha faltado integração cultural e operacional, essa inesperada parceria nipo-bávaro foi fisiológica: as duas empresas são presididas por “dinastias” (a BMW é comandada pela família Quandt), acreditam no prazer de dirigir e no sagrado motor com receita 6 cilindros em linha, desaparecidos da linha Toyota desde 2002, junto com o Supra.

Motor indispensável para honrar o legado do modelo e lhe conferir credibilidade – agora com sobrealimentação. As soluções de engenharia do spider alemão caíram como uma luva para o cupê japonês: os dois carros compartilharão plataforma, powertrain (incluindo também o 2.0 de 4 cilindros da BMW), a configuração da cabine com assentos “secos”, a distribuição de pesos 50:50 e, claro, tração traseira.

O híbrido derivará do modelo do campeonato mundial de Endurance. O Super Sport Concept tinha rodas aro 18 com pneus 330/710. A versão de rua, ilustrada acima, terá freios regenerativos, que exploram os motores-geradores que ficam ligados a ambos os eixos

As diferenças, porém, serão marcantes: Supra e Z4 manterão carrocerias com características construtivas distintas. O Supra será mais rude: “Terá o dobro de rigidez torcional do GT86 e um centro de gravidade ainda mais baixo”, diz Tetsuya Tada, engenheiro-chefe e “pai” dos carros. Outro “selo de qualidade” será o logo GRMN (Gazoo Racing Masters of the Nürburgring), que certifica a afinação por lá. Já o BMW focará em sua identidade de grã-turismo e no fascínio pela capota de lona, que permitirá ao novo Z4 perder alguns quilos em relação à geração atual, com teto rígido. Além do design externo, eles também se diferenciarão pelos interiores. Compartilharão, porém, o câmbio automático de oito marchas, que no japonês deve ser a única opção com o 6 cilindros. Eles serão feitos na mesma linha de produção, em território neutro: a austríaca Magna Steyr.

E enfim chegamos ao hipercarro. Talvez o palco do Salão de Tóquio, onde estreou em janeiro passado, não tenha feito justiça ao GR Super Sport Concept. Talvez até a imprensa tenha dado pouco destaque ao fato de o protótipo tinha luzes e suportes de placa. E passaram quase despercebidas as palavras de Shigeki Tomoyama, presidente da Gazoo Racing, que na ocasião destacou que o conceito representava “um novo desafio: produzir modelos esportivos derivados de carros de corrida.”

Em outras palavras, o futuro hipercarro híbrido da marca estava bem ali, debaixo do nariz de todos, mas quase ninguém havia notado. A notícia de que o carro será produzido, então, pegou todo mundo de surpresa. A versão final será desenvolvida pela Gazoo Racing, tornando-se a versão de rua do TS050 Hybrid que corre no Campeonato Mundial de Endurance (WEC). Quase desnecessário dizer que a produção será limitada a poucas centenas de exemplares, vendidas a cifras com seis zeros no fim.


Os segredos do hipercarro de lítio e carbono

Como a versão de corrida, o Super Sport de produção vai adotar um sofisticado chassis monocoque de fibra de carbono, com um V6 biturbo central de 2,4 litros com injeção direta: ao motor a combustão de 500 cavalos serão ligadas duas unidades elétricas, uma por eixo, alimentadas por baterias de íons de lítio. O powertrain híbrido deve usar um câmbio sequencial de sete marchas, instalado transversalmente. Entre os refinamentos técnicos estão a suspensão push-rod com braço duplo oscilante (no corte acima) e freios carbocerâmicos.

O Supra (carro branco acima) terá direção elétrica, vetorização de torque e diferencial autoblocante. Não está
prevista uma variante híbrida, mas haverá versões 4 cilindros com baixo consumo

A potência máxima do motor THS-R (Toyota Hybrid System-Racing) deve ficar em torno de
1.000 cv, despejados no solo por uma tração integral. As linhas se submeterão à aerodinâmica, com superfícies projetadas para quebrar o ar e gerar downforce: mais estabilidade e aderência em altas velocidades. Para entrar no cockpit, projetado para dois, será preciso pular um degrau, como fazem os pilotos da LMP1. A ressurreição do Supra e o inédito Super Sport serão pilares do ressurgimento da Toyota como marca com alto índice de emoção. Quando isso acontecer, será prova que eco-compatibilidade e esportividade podem coexistir. Akio Toyoda está convencido disso.