Se alguém zesse uma pesquisa sobre os hábitos de consumo nos balcões das padarias, provavelmente constataria que pelo menos 90% das pessoas que comem um pão com manteiga pela manhã consomem também uma xícara de café. Até aí, nenhuma novidade, certo? Mas e se, baseado nessa constatação, o dono da padaria do seu bairro decidisse que você só poderia tomar um cafezinho se também comesse um pão na chapa? Isso facilitaria o uxo das mercadorias, a produção, as compras, o atendimento e até poderia baixar o preço dos produtos. Se você não estiver com fome, azar, jogue fora o pão, a nal você faz parte de uma minoria.

Achou uma ideia absurda? Pois é exatamente isso que acontece quando você compra um carro zero. Para comprar itens como ar-condicionado, direcão elétrica ou ABS, as montadoras obrigam os consumidores a adquirir coisas como trava elétrica, revestimento do volante em couro, entre outros… E se justi cam a rmando que as pesquisas de mercado indicam que a maioria dos consumidores que comprarm opcionais desse tipo, quer um carro completo.

Apesar de ser um crime previsto na Constituição e no Código de Defesa do Consumidor, a prática é comum na indústria automobilística. “A venda casada se con gura quando a montadora condiciona a venda de um opcional à compra de outro do qual o primeiro não depende para funcionar”, afirmou o diretorpresidente do Ibedec (Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo), José Geraldo Tardin. Segundo ele, a montadora tem o direito de oferecer seus opcionais em pacotes, mas não pode condicionar a venda de um pacote ao outro. Mas isso acontece em quase todas as marcas.

Simulamos a compra dos carros VW Novo Gol 1.0, GM Celta 1.0, Fiat Novo Uno 1.0 e Ford Ka 1.0 para ilustrar a prática. Tentamos primeiro adquirir um carro com ar e direção, mas isso se tornou impossível na Ford, na GM e na VW, que somente vendem esses itens junto com outros opcionais. Oferecendo direção hidráulica por R$ 1.893 e arcondicionado por R$ 4.173, a Fiat é a única que possibilitou essa con guração no Novo Uno, mesmo que ela não valha a pena para o consumidor, pois se ele adquirir um pacote com estes itens e mais alguns como travas elétricas e desembaçador traseiro irá pagar R$ 5.377, um desconto de R$ 700 reais.

A próxima tentativa foi a de adquirir o veículo apenas com airbag e ABS (itens indispensávelis de segurança). Dessa vez, comprar esses dois itens apenas foi impossível em todos os modelos. Mesmo no caso em que os equipamentos não fazem parte de nenhum pacote (como na Fiat), para poder comprá-los é preciso adquirir diversos outros itens, que não seriam necessários para o funcionamento deles. Ou seja, venda casada. No caso da VW, o consumidor tem um aumento de custo de R$ 3.450 (além do valor de airbag e ABS), gastos com itens como vidros elétricos, direção hidráulica, ar-condicionado e destravamento elétrico do porta-malas. Itens que é obrigado a adquirir. Na Ford e na Fiat, ocorre o mesmo; para conseguir estes itens de segurança, o cliente tem que comprar o carro mais completo. A GM não os oferece no Celta, mas, no Agile, esta aquisição só seria possível comprando a versão mais completa. A GM é, inclusive, a única montadora que oferece apenas versões: o consumidor decide se quer o modelo mais básico ou mais completo, não tendo de escolher entre pacotes que são condicionados entre si.

“Normalmente os consumidores que procuram itens de segurança procuram também os itens de conforto. Não aparecem clientes que queiram apenas airbag ou ABS. Se quiserem, infelizmente terão que adquirir o carro completo pois ABS e airbag só podem vir de fábrica”, a rmou Ivan Nakano, da Ford, única marca que retornou nosso pedido de entrevista sobre o assunto. Quanto ao ar-condicionado e à direção hidráulica, Nakano a rma: “Se a pessoa quiser apenas esses itens pode ir até uma das distribuidoras e encomendar, porém não terá preços tão em conta quanto os da fábrica.” E, se colocar os itens fora de uma autorizada da marca, o consumidor perderá a garantia do veículo.

Para o consumidor se defender, o jeito é apelar para a justiça. Con ra, no texto ao lado, os procedimentos que os advogados recomendam nesses casos.

Como se defender

A advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) Mariana Ferreira Alves, recomenda que o consumidor tente, em primeiro lugar, entrar em contato diretamente com a marca, expondo seu problema e exigindo uma solução. Caso não obtenha resultado, deve contatar um órgão de defesa do consumidor, como o Procon. Em último caso, o cliente deverá contratar um advogado, para entrar com uma ação de ‘Obrigação de Fazer’, pedindo nominalmente que seja entregue um carro do jeito que ele quer”, conclui José Geraldo Tardin, do Ibedec