O vídeo já virou uma verdadeira febre na internet: Kimi Räikkönnen, o piloto de Fórmula 1, dirige a LaFerrari em nossa pista de testes em Fiorano. São poucos minutos, não um longa-metragem. Mas dá uma boa ideia de como ela anda. A máquina é levada ao limite. Chamas saem dos escapes. Os pneus gritam. Até que, na saída de uma curva, o nlandês exagera. A traseira escapa, ele até tenta corrigir, mas o carro vem de lado, gira e vai parar no gramado. Fim do filme.

Convidado para ir a Maranello dirigir essa última criação da marca do Cavallino, revejo inúmeras vezes o lme, com um misto de medo e alívio. Medo porque o estrondoso 360º do piloto o cial da casa mostra como 1.000 cv (963, na verdade) não são fáceis de domar. E alívio porque, se Kimi rodou, também podemos fazê-lo sem perder a dignidade. E assim, aqui estou, em Fiorano. Chove. Praticamente um dilúvio. Esperei tanto para sentar no carro mais aguardado dos últimos tempos e aí vem essa água toda. A pista está alagada. O medo aumenta. A máquina vermelha espera pacientemente nos boxes, ciente de sua importância. Afinal ela é herderira dos carros que transformaram a Ferrari e um mito: 288 GTO, F40, F50 Enzo. Um verdadeiro supercarro. Na verdade, mais que isso. Porque LaFerrari vai além do conceito “banal” de carros exclusivos de altíssimo desempenho(e preço): é vitrine de várias tecnologias de vanguarda, o estado da arte do know-how da marca – incluída aí a equipe de F1.

Na engenharia, a LaFerrari combina a arquitetura clássica da casa, com motor central, a uma série de soluções tiradas das prateleiras de sua divisão de competição –  da aerodinâmica ativa e passiva ao Kers, o sistema de recuperação de energia. Tecnicamente, é um híbrido, com o motor 6.3 V12 aspirado de 800 cv (a 9.000 rpm) combinado a um pacote de baterias de 60 kg e a um motor elétrico de 25,7 kg, que gera outros 163 cv.  Diferentemente de projetos semelhantes ((Porsche 918 e McLaren P1), a Ferrari exclui logo de cara a possibilidade de usar apenas o motor elétrico (como disse um engenheiro: “Quem vai querer se privar do som sensacional do poderoso V12?”). E isso deixa claro que a opção híbrida (o sistema todo pesa 146 kg) não está aqui para ser ambientalmente correta, mas para garantir um desempenho ainda mais sensacional. O motor eléctrico serve, essencialmente, para tornar ainda mais ágeis as respostas do acelerador – e, apenas como consequência, reduz as emissões de CO2. 

O resultado, já adiantamos, é explosivo. No verdadeiro sentido da palavra. Há muitos carros velozes, e muitos deles são da Ferrari. Mas geralmente basta de nir os parâmetros corretos de reação no seu cérebro para se adaptar sem problemas a eles, pois os limites do piloto são sempre muito menores do que os do carro. No caso da LaFerrari, impressiona menos seu disparo (0-100 km/h em menos de três segundos, 0-200 km/h em menos de sete e 0-300 km/h em meros 15 segundos) que a responsividade do motor (ou power unit, como é mais correto chamá-lo). Pisar no acelerador é abrir as portas do inferno: segue-se uma progressão rápida e feroz, perfeitamente auxiliada a pela transmissão de dupla embreagem com atuador elétrico.

Andando tão rápido, você não tem a mínima ideia do dualismo entre as fontes de energia, nenhuma noção de como atua a refinadíssima a confiuração aerodinâmica, com a abertura dos apêndices coordenada em um redemoinho de juntas de metal que visa manter no chão um objeto que ultrapassa a velocidade de decolagem de um avião (a carga aerodinâmica – downforce- chega a 360 kg em uma curva a 200 km/h e a 90 kg em linha reta). A nal de contas, era isso que queria a Ferrari: um carro que atingisse 350 km/h, mas imune à incompetência do piloto, e por isso sem opção de câmbio manual (a velocidade máxima é até maior, pois o pico de potência depende da energia elétrica disponível: 380 km/h é mais próximo da realidade).

Mas não pense na ausência de várias opções de confguração como um defeito. Na verdade, o dilúvio em nosso teste deu a oportunidade de conferir, em condições extremas, o extraordinário trabalho conjunto do hardware (conjunto motriz e chassi/carroceria de carbono) e da eletrônica; uma integração que nós, humanos e notoriamente imperfeitos, jamais poderíamos alcançar, especialmente quando atirados em direção ao horizonte em velocidades absurdas. Mais uma vez, não falo do “simples” desempenho mas da capacidade de desfrutá-lo sem sentir que tem de domar o ímpeto de seus quase 1.000 cv – potência do último V12 da Fórmula 1, de 1995 – a cada troca de marcha, a cada curva, a cada frenagem. Foi o que percebi quando, naquele aguaceiro, mesmo sem pisar fundo, cheguei a 200 km/h no nal da reta: freei desesperado, convencido de que ia parar no guard-rail, e a combinação dos discos de carbono-cerâmica e do freio aerodinâmico, parte do controle de estabilidade, estancou o carro ainda a vários metros de distância da estreita curva à direita. Sem hesitação, sem indecisão. Uma segurança total, que mais tarde comprovei no trânsito e nas estradas dos Apeninos. A dinâmica da LaFerrar i é algo superlativo – ela talvez seja o melhor  carro que já dirigimos (e você sabe como abominamos juízos absolutos). Mesmo levando em conta a exclusividade de preço e posicionamento desse superesportivo, ele dá uma nova dimensão à tecnologia automotiva como um todo, reunindo, como já disse, um compêndio inigualável de excelência tecnológica. É uma máquina enfim que eleva mecânica e aerodinâmica a níveis impensáveis até há muito pouco tempo, e que oferece, por razões óbvias, espaço muito limitado para novas evoluções. Assim, a questão que surge é: como poderá a Ferrari criar algo melhor que isso?