02/10/2015 - 10:30
Em 2013, expressivos 28% dos acidentes de trânsito nos Estados Unidos foram causados pelo uso de “dispositivos móveis” ao volante – smartphones, principalmente. Sim, mais de um quarto dos acidentes naquele país em 2013 foram causados por motoristas usando os tais “telefones inteligentes”, diz o National Safety Council (e o número pode ser maior, porque nem todos reconhecem que estavam ao telefone no momento do acidente).
Trata-se de um problema muito grave, e – com a obsessão atual das pessoas por ficarem conectadas o tempo todo – longe de terminar.
Agora, novos sistemas como o Android Auto e o Apple CarPhone pretendem transferir toda a conectividade dos smartphones para as telas dos carros. As gigantes da tecnologia dizem estar estudando como tornar essa conectividade segura, sem distrair o motorista daquela que é sua função principal: conduzir o veículo. Essas empresas se dizem preocupadas em aumentar a segurança das pessoas, mas obviamente também querem engordar seus lucros.
“Até hoje a maioria dos carros é uma bolha desconectada em nossa vida conectada. É até estranho que nessa década de hiper-conectividade as pessoas entrem em seus carros e se desconectem”, disse Flavio Ferreira, diretor de parcerias de Android e Chrome do Google para a América Latina no evento Think Auto With Google, ontem em São Paulo.
Para o Google (e também para a Apple), fazer o carro deixar de ser uma “bolha” significa aumentar o tempo total que as pessoas passam conectadas por dia – justamente a fonte de lucro dessas empresas. Se os paulistanos, por exemplo, passam de uma a três horas diárias em seus carros, nesse tempo todo – se seguirem as leis e não usarem os smartphones, o que nem sempre ocorre – estão deixando de se conectar.
E ter a conectividade no carro também é um desejo do consumidor, claro: nos EUA, nada menos que 49% deles consideram um fator de compra muito importante que o carro seja integrado ao smartphone.
É natural, portanto, que os fabricantes e as empresas de tecnologia se unam para tornar o carro cada vez mais conectado. É uma onda que chega forte, um verdadeiro tsunami, com inúmeros modelos já preparados para funcionar com Apple CarPlay e Android Auto – de Hyundai HB20 a Volvo XC90, passando por Audi A4 –, e isso sem falar nos sistemas que “espelham” o smartphone na tela multimídia, como os já existentes em modelos como Honda HR-V, JAC J6 e Suzuki S-Cross.
“Trazer esse conteúdo dos smartphones para o carro não é fácil por conta da segurança”, reconhece Ferreira. As principais medidas para aumentar a segurança da conectividade ao volante, segundo ele, são simplificar a interface dos apps e tornar os comandos de voz “mais poderosos”, para assim gerar menos distrações.
O problema é que estudos já comprovaram que mesmo recursos como comandos de voz ou até o tradicional viva-voz por bluetooth não são tão eficazes assim. O uso dos telefones ao volante aumenta, e muito, o tempo de reação do motorista, estejam na mão dele ou não (outro dia mesmo eu passei a saída da estrada que pego quase toda semana simplesmente porque estava ao telefone – e isso porque estava no viva-voz). O que importa é onde está a “mente”, o cérebro do motorista. Quando se está dirigindo, é essencial que se mantenha total atenção na rua ou estrada à frente. O comportamento dos outros motoristas é imprevisível, e é por distração que acidentes acontecem.
As pessoas andam obcecadas por ficar conectadas o tempo todo. Android Auto e Apple CarPlay em breve (e inevitavelmente) estarão em todos os carros, podendo aumentar o risco de acidentes – pelo menos até o carro autônomo virar realidade (hoje modelos mais caros já freiam e se mantêm na faixa sozinhos; esses novos recursos já devem estar trabalhando bastante).
Mas a questão que todos devem fazer a si mesmos é: “Eu tenho que ver as atualizações do Facebook agora? Fulano precisa de uma resposta imediatamente? Eu preciso mesmo ficar conectado o tempo todo, até quando estou dirigindo?”.
A resposta, obviamente, é não. Fora um navegador por GPS com informações de trânsito (extremamente útil), rádio via internet e apps de alertas de radares, entre outras poucas exceções, não há muito mais ao que você precise de fato ficar conectado enquanto dirige.
Claro que as conexões intra-carros, aquelas que organizam o trânsito, facilitam tecnicamente os carros autônomos e evitam acidentes, devem continuar se desenvolvendo; e claro que os passageiros podem usar sistemas multimídia e o carro pode virar um hotspot para eles usarem. O que estou criticando aqui é o motorista conectado.
Aproveite enquanto seu carro ainda é uma “bolha” para se desconectar um pouco e se concentrar na direção; quando o trânsito parar, olhe pela janela, observe a paisagem. Você pode até acabar percebendo que também pode largar seu smartphone quando estiver no no parque com o cachorro, no restaurante com a família e no bar com os amigos…