Apesar da queda de 37,2% nas vendas de janeiro, comparadas ao primeiro mês do ano passado, a Anfavea mantém sua previsão de 2,3 milhões de veículos leves (carros de passeio, picapes e furgões) licenciados em 2016. Aposta, portanto, num recuo de 7,3% em relação aos 2,481 milhões de emplacamentos em 2015. Segundo Luiz Moan, presidente da associação dos fabricantes, a queda de vendas no primeiro trimestre já era esperada e o mercado começará a reagir no segundo semestre. Temo que não.

Na realidade, o buraco da indústria automobilística parece ser muito mais embaixo. Para que 2,3 milhões de automóveis e comerciais leves sejam licenciados este ano, o mercado terá de vender uma média de 194,7 mil veículos de fevereiro a dezembro. A média de 2015 foi de 206,7 mil. Isso representaria apenas 4,2% de queda nos 11 meses restantes. Mas, pior: se a Anfavea acredita que o primeiro trimestre continuará com números péssimos, mesmo que eles não sejam tão desastrosos quanto os de janeiro a recuperação de vendas a partir de abril (ou no segundo semestre) teria de ser tão grande que resultaria em crescimento em relação ao desempenho do ano passado. Alguém, nessa altura do campeonato, com o ambiente político e econômico que temos no Brasil, acredita nisso?

Particularmente, desconfio que nem a Anfavea acredita, mas talvez não fique bem a uma entidade de seu peso “decretar o caos”. Portanto, cabe a empresários como José Carlos Gandini (Kia Motors) e Sergio Habib (JAC Motors) fazerem o papel de “arautos do apocalipse”. Ambos prevêem quedas de vendas em torno de 20% e acreditam que a soma de automóveis e comerciais leves emplacados não cheguerá a 2 milhões. Diante dos números desse início de ano e dos lançamentos previstos para o mercado, é difícil duvidar deles. Das marcas de volume, poucas terão novidades com potencial de “abalar” o mercado: só a Fiat, a Renault, a Honda e a Nissan. A Fiat lança a picape Toro esta semana (50.000 carros/ano) e fará o pequeno Mobi (substituto do Palio Fire) na metade do ano. A Renault vai montar o compacto Kwid a partir de março para ocupar uma faixa que o Clio não consegue penetrar. A Honda lançará o novo Civic no meio da temporada. E a Nissan vai produzir o crossover Kicks no segundo semestre. Toro, Civic e Kicks têm mais chance de tirar vendas de outros carros do que de trazer novos clientes para o mercado. O Mobi vai apenas dar uma chance de atualização aos atuais compradores do envelhecido Palio Fire, assim como Kwid pode mexer com os planos de compradores de carros mais baratos, pois terá um visual tipo SUV. Esses dois últimos chegam na faixa que mais perde vendas, devido ao achatamento do poder de compra das classes C e D. Em outro momento, fariam o mercado crescer; hoje, dificilmente.

Considerando só os automóveis de passeio, nada menos que 11 fabricantes filiados à Anfavea caíram em janeiro mais do que a média de 36,4% registrada para esse nicho: General Motors (-38,2%), BMW (-39,5%), Citroën (-39,7%), Peugeot (-44,4%), Volkswagen (-49,5%), Renault (-49,6%), Fiat (-50,2%), Mini (-51,3%), Hyundai Caoa (-52,3%), Ford (-53,3%) e Mitsubishi (-53,5%). Mas não apenas elas: Audi, Subaru, Mercedes e Nissan recuaram entre 15,6% e 26,6%. Só a Hyundai Brasil (-3,7%) e a Lexus (-7,4%) tiveram quedas baixas – de qualquer forma, também foram quedas. Das 20 montadoras da Anfavea, apenas três cresceram: Chrysler (+725,8%, pois passou a fabricar o Jeep Renegade, o que não tem valor estatístico), Honda (+3,3%) e Toyota (+3,0).

Quanto aos comerciais leves, o tombo geral foi 50,9% e quatro fabricantes caíram ainda mais que isso: Ford (-61,8%), Fiat (-62,7%), GM (-67,1%) e Mitsubishi (-67,8%). Das 18 marcas atuantes nesse nicho, só a Renault cresceu (+40%), devido à produção da picape Duster Oroch. Todas as outras recuaram entre 19,1% e 38,1%.

Dá para acreditar que esse mercado vai se recuperar como num passe de mágica a partir de abril ou do segundo semestre? É mais fácil acreditar na existência de Papai Noel – vai que ele tem alguma redução mágica de impostos no saco de presentes e a gente não sabe disso…