Uma briga que ilustra bem um segmento em mutação.

É cada vez mais tênue a linha que separa os SUVs compactos dos hatchbacks nos quais eles se baseiam. Há tempos que muitos dos SUVs não são mais tão SUVs assim. Até são chamados dessa maneira em alguns mercados, enquanto em outros são vendidos como crossovers. Depende da estratégia de marketing. Na verdade, na maioria são mesmo crossovers: um termo amplo, meio indefi nido, que nasceu para falar de utilitários-esportivos derivados de carros de passeio, mas que hoje se aplica a modelos que misturam fórmulas, funções e estilos. E esses carros pendem cada vez mais para “esportivo” e menos para “utilitário” ou “jipinho”. É o caso dos três desta reportagem, em níveis diferentes – uma ótima amostra da evolução desse segmento do mercado. 

O Mercedes-Benz GLA 200, como você acaba de ver, abriu mão da posição de dirigir alta em nome de esportividade e da tração integral em nome da efi ciência. Segue o caminho que o Volkswagen Tiguan ajudou a desbravar, ainda em 2007, que o BMW X1 introduziu no segmento de luxo, em 2009, e que o Audi Q3 (2011) e o GLA (2014), entre outros, seguiram. Carro a carro, vamos acompanhar essa evolução e escolher o melhor.

Quando se olha o Tiguan, não se nota imediatamente que é um crossover derivado do Golf. Ele tem cara de jipinho e personalidade própria. Parece mais um SUV tradicional do que os rivais, e de fato é. Tem tração integral, que garante capacidade off-road – conforme as condições do piso, distribui o torque do motor não apenas entre os eixos traseiro e dianteiro, por uma embreagem Haldex multidisco, mas também entre rodas de cada eixo. Para completar, com 1,70 m de altura, garante a posição de guiar elevada, e ainda é o mais versátil: tem bandeijinhas tipo avião e o assoalho fi ca plano com o banco traseiro rebatido (que ainda tem encosto reclinável e é corrediço, permitindo aumentar o porta-malas ou o espaço para passageiros).

O Tiguan é prazeroso de guiar, suave nas respostas e tem bom desempenho garantido pelos 200 cv de seu motor 2.0 turbo. Mas sua direção eletro-hidráulica é um pouco pesada demais no uso urbano e seu câmbio automático tradicional não é tão rápido quanto os automatizados dos rivais, além de prejudicar o consumo: a 120 km/h, fez entre 8 e 9 km/l. As suspensões fazem ruído em buracos e superfície ásperas – culpa em parte dos pneus baixos da versão R-Line, com rodas aro 18.

Seu acabamento, apesar de bom, é inferior ao dos rivais, e o sistema multimídia tem uma telinha pequena. Mas ele custa menos. Por R$ 116.900, já tem um pacote bom. Com os itens marcados com O+ na tabela ao lado, custa o mesmo que os concorrentes. E aí oferece mais que o Q3, enquanto ganha do GLA por poucos itens, mas importantes, como câmera de ré, chave presencial e retrovisor eletrocrômico. É o único com faróis direcionais e luzes auxiliares que acendem automaticamente nas curvas. 

Já no caso do Audi Q3, de cara dá para notar que deriva do hatch A3. A posição de guiar não é tão alta: foi um dos primeiros modelos a nos passar a sensação de ser um hatch “altinho”, não um SUV. Ainda  tem tração integral e cara de jipinho, mas já inicia a mutação dos SUVs em crossovers. É o “primo rico” do Tiguan: usa a mesma plataforma, mas tem um motor 2.0 mais moderno, com menos potência (180 cv), mas o mesmo torque. O câmbio também é melhor – um automatizado de sete marchas com respostas imediatas, mas que não alivia o consumo, que obteve a pior nota no Inmetro (E). Motor e câmbio se entendem bem, exceto no anda-e-para do trânsito, quando falta suavidade. Já o desempenho é superior ao dos rivais, assim como o comportamento em curvas – ajudado pela tração integral e pela carroceria 10 cm mais baixa que a do Tiguan. Talvez essa seja sua maior vantagem.

Dentro da cabine, o Q3 não tem um teto panorâmico tão generoso quanto o do Tiguan nem a mesma versatilidade. O espaço traseiro é só um pouco menor, mas ainda suficiente para dois adultos viajarem confortavelmente. No acabamento, o Q3 não esconde ser o modelo de entrada da marca – mas ainda está longe de ser ruim. Sua lista de equipamentos, porém, é menor que nos rivais: o sistema multimídia com GPS é opcional, aumentando o preço da versão de entrada Attractive de R$ 135.600 para R$ 145.700 (a Ambiente é mais completa, mas custa R$ 147.900 e mantém o sistema multimídia como item opcional). Para ter outros luxos oferecidos nos rivais por menos de R$ 150.000, é preciso levar a configuração topo de linha Ambition com opcionais, que ainda ganha mais potência (211 cv), mas beira R$ 190.000.

Chegamos, enfim, ao GLA. Se o Q3 já anunciava a mutação dos crossovers – menos SUVs e mais hatchbacks –, o Mercedes conclui essa transformação. Olhando para ele, vê-se claramente um Classe A que “frequentou a academia”. Tem rodas grandes, maior altura do solo e laterais musculosas, mas, com menos de 1,50 m de altura, frustra quem gosta de dirigir no alto, os fãs do estilo “jipinho”. Por outro lado, tem suas vantagens: mais leve, em desempenho não fi ca muito atrás do Tiguan (e seu 1.6 ainda gasta bem menos, passando de 12 km/l na estrada); além disso, inclina menos nas curvas – embora, no limite, tenha menos aderência do que os rivais com suas trações integrais. 

Dentro da cabine, perde para os rivais em espaço (principalmente atrás), mas está bem à frente em luxo e sofi sticação. Seu acabamento impressiona, como os equipamentos – há faróis de LEDs e assistente de estacionamento já na versão Advance, de R$ 132.900 (que, porém, não tem ar automático e GPS, entre outros itens). A versão Vision (R$ 149.900) é mais completa, mas ainda sem espelho eletrocrômico e chave presencial. 

No fim, o Tiguan oferece mais por menos (exceto o status): tem tração integral, muito equipamentos, motor potente e revisões e peças mais baratos – mas não será nacional como os rivais. No Q3, você mantém a valentia off-road e tem desempenho e dirigibilidade superiores, mas abre mão de vários mimos e paga muito mais nas revisões. Finalmente, no GLA, você tem mais status e revisões razoáveis e menos frequentes. Gasta menos para abastecer e tem uma cabine muito mais luxuosa. Abre mão, porém, da posição de dirigir elevada e da tração integral – pois ele é quase um hatchback. Se isso não incomoda, é a compra certa. Mas, se você gosta mesmo é de SUV, fi que com o Q3 ou o Tiguan.