A Stellantis, dona de marcas como a Fiat, Jeep, Chrysler, Peugeot e Citroën, confirmou a renúncia de Carlos Tavares como CEO da companhia no domingo, 1º. A ação ocorre quase um ano antes do previsto da aposentadoria do executivo português, que ocorreria no início de 2026. Ele atuava como diretor executivo desde 2021, quando houve a fusão da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) e a PSA (Peugeot-Citroën) para a criação da Stellantis.

Com isso, as ações da fabricante caíram até 10%, atingindo o nível mais baixo desde julho de 2022, o que deixou investidores preocupados com o vácuo deixado no topo da quarta maior montadora do mundo.

No ano, os papeis da Stellantis acumulam queda de cerca de 40%. A redução de vendas e menor poder de fixação de preços reduziram a sua receita em 27% no terceiro trimestre.

Agora, o grupo automotivo está em um processo de nomeação de seu novo líder, conduzido por um comitê especial do conselho. A previsão é que esse processo seja concluído no primeiro semestre de 2025.

Jeep
Stellantis – Crédito: REUTERS/Gonzalo Fuentes

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Por que Tavares renunciou?

A saída de Tavares pode ser explicada por alguns motivos, como problemas de mercado e conflitos com o conselho.

Corte de custos 

O ex-CEO teria entrado em conflito com o conselho de administração da companhia devido aos seus planos de reestruturação rápida, principalmente na operação dos Estados Unidos. Ele queria cortes de custos, em vez de uma estratégia de longo prazo, disseram investidores e banqueiros familiarizados com o assunto na segunda-feira, 2, à Reuters.

Uma fonte familiarizada com o assunto disse à reportagem no domingo que as tensões cresceram porque o conselho sentiu que Tavares estava concentrado em encontrar soluções de curto prazo para salvar sua reputação, em vez de trabalhar no melhor interesse da empresa.

O corte de custos prejudicou especialmente seu relacionamento com os revendedores americanos e com o sindicato local, o United Auto Workers, segundo analistas.

Em uma carta enviada a Tavares, no dia 10 de setembro, o presidente do conselho de revendedores da Stellantis, Kevin Farrish, reclamou que a busca por lucros a curto prazo significava uma “rápida degradação” das marcas Jeep, Dodge, Ram e Chrysler, e acrescentou: “Vocês criaram esse problema.”

Carlos Tavares, ex-CEO da Stellantis – Crédito: Divulgação/Stellantis

Emissões

A abordagem “linha-dura” de Tavares em relação às metas de emissões mais rígidas da União Europeia também eram um atrito com o conselho, em um momento de desaceleração das vendas de veículos elétricos, disse Massimo Baggiani, fundador da Niche Asset Management e acionista da Stellantis. Isso “assustou” os investidores e os principais acionistas, disse ele.

Um carro Citroen C3 Aircross Hybrid e um pequeno carro elétrico Citroen Ami são exibidos no dia da mídia no Salão do Automóvel de Paris de 2024, em Paris , França, em 14 de outubro de 2024 – Crédito: REUTERS/Benoit Tessier

Problemas

No mercado estadunidense, a Stellantis também luta para se livrar de excesso de capacidade produtiva e de estoque inchado, isso em meio a uma demanda global lenta e concorrência chinesa voraz. Outro fator é que a montadora aumentou os preços de suas marcas de mercado de massa, o que afastou clientes europeus.

As vendas globais de veículos da empresa caíram 21% no terceiro trimestre.

Futuro

A saída antecipada de Tavares, apesar de sua determinação em mudar as coisas antes de 2026, revelou a gravidade dos problemas do grupo, afirmou Stephen Reitman, analista da Bernstein, à Reuters.

“Isso aponta para o que temos dito há muito tempo – que os problemas são muito profundos e não serão facilmente resolvidos agora.”

Na visão de Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting, especializada em consultoria automobilística, a saída de Carlos é consequência da pressão que passam as montadoras europeias e seu dilema de melhora em ajustar o mix de produtos atuais com os eletrificados.

“Me parece que a pressão por recursos afeta a grande maioria das marcas europeias e uma redução de portfólio de marcas não pode ser descartada, o que não deve ser a solução única com certeza”, explicou em entrevista ao site MOTOR SHOW.

Brasil

Ao contrário do cenário na Europa e Estados Unidos, na América do Sul, onde a operação no Brasil é a principal do grupo, as vendas da montadora somaram 259 mil veículos no terceiro trimestre, o que representou um crescimento de 14% sobre o desempenho de um ano antes.

“O que o Brasil conseguiu na gestão Tavares mostra que o caminho do portfólio de produtos com uma eletrificação mais lenta ajuda a manutenção do corpo diretivo que vem da ‘FCA’ e que tem mostrado resultados importantes.”

Fiat Strada é líder do mercado com folga no Brasil – Crédito: Divulgação

China

Cardamone ressalta que ninguém consegue competir ainda com as grandes marcas chinesas no quesito carro elétrico. No entanto, ele acredita que o mercado global mostra sinais de que o mix de eletrificados vai demorar muito para caminhar apenas para os modelos 100% a bateria.

“O mercado americano é um grande desafio no momento para a Big 3 [GM, Ford e Stellantis] e para que os próprios consumidores americanos migrem com maior velocidade para elétricos puros. A hibridização pura mais a plug in tem tido performance melhor nos últimos meses e este sinal não pode ser deixado de lado.”

Ele acredita que a prioridade da Stellantis, como a de outras montadoras tradicionais, será a de consertar suas finanças para poder dar os próximos passos em relação às decisões de tecnologia.

Plataformas híbridas da Stellantis – Crédito: Divulgação

Stellantis e Tavares

A Reuters não conseguiu entrar em contato com Tavares na segunda-feira, 2. O site MOTOR SHOW solicitou um posicionamento da Stellantis, que encaminhou dois comunicados, sobre a renúncia e que está em processo da nomeação do novo CEO.

Seguem as declarações do diretor independente sênior do comitê de direção, Henri de Castries, e do chairman, John Elkann, respectivamente:

“O sucesso da Stellantis desde a sua criação esteve enraizado em um alinhamento perfeito entre os acionistas de referência, o Comitê de Direção e o CEO. Entretanto, diferentes pontos de vista emergiram nas últimas semanas, resultando na decisão tomada hoje pelo Comitê de Direção e pelo CEO.”

“Agradecemos a Carlos por seus anos de serviço dedicado e pelo papel que ele desempenhou na criação da Stellantis, assim como nas recuperações da PSA e da Opel, colocando-nos no caminho para nos tornarmos um líder global em nossa indústria. Estou na expectativa para trabalhar com o nosso novo Comitê Executivo interino, com o apoio de todos os colegas da Stellantis, conforme concluímos o processo de nomeação do novo CEO. Juntos iremos assegurar a continuidade da implementação da estratégia da Companhia para os interesses de longo prazo da Stellantis e de todos os seus públicos de interesse.”