A Lecar inaugurou sua primeira concessionária, em São Caetano do Sul (ABC Paulista). O ponto, que pertence ao mesmo dono de uma blindadora de veículos, só deve começar a entregar carros no segundo semestre de 2026. Na realidade, esse é o prazo que a Lecar dá para começar suas operações fabris, oficialmente.  

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Concessionária Lecar – Foto: Lecar/divulgação

Criada por Flávio Figueiredo, ela começou há pouco mais de três anos, e tem várias promessas: erguer uma fábrica no Espírito Santo, criar carros híbridos flex (na realidade, elétrico de autonomia estendida), e ser uma “Tesla brasileira”. Nenhuma delas, porém, ainda foram cumpridas. O próprio fundador, aliás, se comparava a Elon Musk até pouco tempo atrás.  

Mas, apesar de já ter carros com várias informações divulgadas, fase de pré-venda aberta e, agora, até concessionária aberta, a Lecar ainda é citada por Figueiredo como um “projeto”. Vejamos mais detalhes da mais recente marca de carros nacionais… 

Lecar 459 – Foto: Lecar/divulgação

Lecar: estratégia 

A tal marca, que se intitula “montadora”, quer criar modelos híbridos flex com forte apelo do uso do etanol como combustível sustentável. Bastante nacionalista, tem como plano resgatar o espírito da indústria automotiva brasileira, mas nos moldes atuais, com carros eletrificados. Tudo parece ter nascido de um sonho do fundador, que tem pouquíssima ligação com a indústria automotiva, mas bastante dinheiro.  

O plano, por enquanto, consiste na criação de três carros, sendo que um deles só deve se desenvolvido a partir do ano que vem. A fábrica deles deverá ser em Sooretama (ES), ao menos pelos planos da empresa. Todos terão vários componentes compartilhados, incluindo a motorização, híbrida flex, onde o motor a combustão serve só para abastecer as baterias.  

Lecar 459 - Foto: Lecar/divulgação
Lecar 459 – Foto: Lecar/divulgação

Figueiredo, o fundador, cita como grande nome parceiro a Weg, que vai fornecer o gerador elétrico do powertrain. Porém, de acordo com a Lecar, outros nomes grandes já estão na lista de fornecedores, como Pirelli para pneus, Horse para o motor a combustão, Nakata para os amortecedores, Fras-le para os freios, ou Maxion para as rodas. Tudo, desde o desenvolvimento dos carros, até a construção da fábrica, gira em torno de um único investimento: R$ 870 milhões.  

Considerado bem baixo para os padrões da indústria automotiva, esse aporte, segundo Flávio, não envolve grupos de investimentos. O dinheiro vem de empréstimos, financiamentos (inclusive do governo) e do próprio dono. Só para que se tenha uma ideia, a BYD colocou R$ 5,5 bilhões só na fábrica de Camaçari (BA), que já existia, porém foi profundamente reformulada. A Lecar promete que esses R$ 870 milhões vão render para construir a planta e desenvolver os carros.  

Lecar Campo – Foto: Lecar/divulgação

O fundador diz que 40% do seu público é de Santa Catarina, terra da Weg, e que parte dos potenciais clientes não quer saber se o carro é bonito ou feio, mas sim que seja fruto de um projeto nacional. Para todo o processo, Flávio diz ter consultado a Fenabrave, em busca de alguma “mentoria” sobre o assunto, e garante que todos os fornecedores já estão contratados (“dezenas”, segundo ele). 

Os modelos iniciais estão em pré-venda, inclusive com preço definido: R$ 159.300. A reserva nessa fase de pré-venda exige 1% do valor: R$ 1.593. Esse dinheiro captado por enquanto, de acordo com Figueiredo, está sendo guardado num fundo, mas, como ele mesmo disse, é uma quantia pequena: “não paga nem os pneus”. 

Lecar Campo e Lecar 459 – Foto: Lecar/divulgação

Lecar: a fábrica 

Flávio quer estar produzindo carros ainda em agosto de 2026, daqui 1 ano. Ainda assim, confirma que a produção inicial será baixíssima, a conta-gotas, em ritmo lento. Ele bate bastante na tecla de “estamos aprendendo” e “vamos experimentando”, especialmente quando questionado sobre o curtíssimo prazo de entrega de todo o projeto. Durante a inauguração da primeira concessionária, ele não comentou em momento algum sobre adiar os planos.  

Projeto da fábrica da Lecar no Espírito Santo – Crédito: Divulgação

O local para a fábrica de Sooretama está definido, de acordo com a empresa, e a pedra fundamental deve ser colocada ainda em agosto, esperam. Só aí começam as obras para erguer o espaço, de 90 mil m² de área construída, que tem capacidade de produção declarada de 120 mil carros/ano. Segundo o dono, os planos para começar a construção da fábrica já se arrastam há dois anos, e a planta deverá gerar o presunçoso número de 1.500 funcionários diretos.  

No processo produtivo, a estamparia vai ser terceirizada. Aliás, Flávio promete que vai fazer os modelos em aço, como indústrias grandes, sem uso de fibra de vidro ou outros compósitos. Para ele, um dos motivos é que o Espírito Santo é forte na produção de aço. Ainda assim, a Lecar também flerta com a antiga fábrica da Chery, em Jacareí (SP): “estamos vendo, analisando”, diz Figueiredo.  

Lecar 459
Lecar 459 – Foto: Divulgação

Lecar: os carros 

Por enquanto, são dois. O 459, ainda que pareça um sedan com linhas sportback, é tratado como SUV. Apesar de ter nascido inicialmente como 100% elétrico, teve o projeto convertido para híbrido flex com tração elétrica algum tempo depois. O design também passou por várias fases, mas essa atual é divulgada como a oficial. Flávio, que é dono de dois Tesla, diz que o 459 é um “meio do caminho” entre Model 3 e Model Y da empresa de Elon Musk.  

Lecar 459 - Foto: Lecar/divulgação
Lecar 459 – Foto: Lecar/divulgação

Além dele, outro que promete chegar junto em agosto de 2026 é a picape Campo, que, nas palavras do dono da Lecar, foi criada nos moldes para ser aceita no Finame, programa de financiamento do BNDES focado em ferramentas de trabalho. É do porte de uma Fiat Strada, que parece ter sido a principal fonte de inspiração para a criação da Campo, ainda que Flávio tenha demonstrado não conhecer muito sobre a picapinha da Fiat, suas versões ou motorizações.  

Lecar Campo – Foto: Lecar/divulgação

Ainda há o Lecar Tático, um SUV com pegada mais de jipe, também híbrido flex, mas esse projeto fica para um segundo momento, já que a empresa deixa claro não dar conta do recado de desenvolver três modelos ao mesmo tempo.  

459 e Campo terão a mesma plataforma, com motorização compartilhada, tração sempre traseira e versão única. Figueiredo diz que, até a coluna B, serão basicamente o mesmo carro, incluindo o interior igual ou equipamentos de série. Aliás, prometem 6 airbags, conjunto óptico inteiro em LED, e até pacote ADAS (a empresa diz já estar pronto, inclusive). O índice de nacionalização divulgado é de 83%, mesmo sem ter uma produção iniciada.  

Lecar Campo – Foto: Lecar/divulgação

A motorização híbrida flex, na realidade, está mais para elétrica de autonomia estendida (EREV). Um motor elétrico fornecido por uma marca chinesa, a Repo, moverá o carro com seus 163 cv de potência e 26 mkgf de torque. Um motor 1.0 turboflex, o mesmo de Renault Kardian e Nissan Kicks, vai operar como gerador para as baterias de tração de 18,4 kWh de capacidade. Nessa toada, a Lecar promete 1.000 km de autonomia com 30 litros de etanol. 

Dúvidas? Algumas. Até mesmo números de desempenho e alcance já foram divulgados, ainda que não existam unidades prontas, rodando, dos carros. Para Flávio, a autonomia é resultado de cálculos de eficiência energética divulgados pela Horse, a fabricante do motor 1.0 turboflex.  

Além disso, perguntado sobre o porquê de usar um motor superalimentado, com 22,4 mkgf de torque e injeção direta para apenas cumprir a função de gerador estacionário, o fundador disse que o motivo são as leis de emissões de poluentes: “é o menor motor com esse nível de modernidade e eficiência do mercado”.  

Lecar Campo – Foto: Lecar/divulgação

Lecar: a engenharia 

“Terceirização” é palavra de ordem para todo o processo. Desde design dos carros, passando pela estampagem das futuras carrocerias, até chegar no powertrain: tudo vem de empresas contratadas, e não de dentro da Lecar. Isso, porém, levantou dúvidas quanto ao nível de engenharia e desenvolvimento técnico dos carros. Flávio diz que cada empresa parceira tem sua engenharia, mas uma equipe interna acompanha cada processo.  

Pouco foi falado sobre a parte técnica dos carros, ou sobre testes de durabilidade de todo o conjunto em operação. Grandes fabricantes costumam rodar milhares ou milhões de quilômetros com modelos inéditos em testes, só que isso não parece ser prioridade para a Lecar. Questionado, o fundador disse que, apesar do tempo curto, é possível otimizar a fase de testes com várias unidades rodando: “ao invés de percorrermos 4 milhões de km com um carro, podemos ter dez deles, cada um rodando 400 mil km”. Estratégia incomum na indústria, vale falar.  

Lecar Campo – Foto: Lecar/divulgação

Carros funcionais? Só no final do ano, o que torna o prazo de agosto de 2026 ainda mais apertado. Até agora, apenas o 459 foi apresentado como um mock-up, uma espécie de maquete em escala real, ainda que tenha faróis e lanternas funcionais. A picape Campo terá sua primeira aparição, nesse mesmo esquema de mock-up, na próxima semana, num evento agro em Sertãozinho (SP).  

A grande promessa é entrar com unidades em pleno funcionamento, tanto do 459 quanto da Campo, no renascido Salão do Automóvel de São Paulo, programado para começar dia 22 de novembro. Dali em diante, sobram nove meses para, literalmente, a “gestação” dos modelos: testes de rodagem, prováveis correções e ajustes, homologações, adequação a linha de produção, início da fabricação, distribuição e vendas. Muita coisa para pouquíssimo tempo.

Lecar Model 459 – Crédito: Divulgação

Lecar: concessionárias e pós-venda 

Figueiredo, o dono, afirma que mais de 5.000 pessoas estão interessadas nos Lecar. Planeja abrir 20 concessionárias ainda em 2025, embora elas não vão vender nada concreto até agosto de 2026. Além dessa de São Caetano, outra em Brasília está em vias de ser inaugurada, de acordo com a empresa. Flávio comemora que mais de 200 concessionários mostraram interesse em abrir uma revenda da Lecar, segundo ele.  

Nem a fabricante, nem as revendas, terão estoques: querem trabalhar no modo sob demanda, onde o carro é encomendado e depois entregue. Não devem fabricar mais do que os pedidos. É o mesmo esquema operacional da Tesla nos EUA. A concessionária será apenas uma intermediária no processo de compra.  

Flávio Figueiredo de Assis, fundador da Lecar, durante apresentação do Lecar 459, carro híbrido flex nacional, em São Paulo, SP 22/08/2024 REUTERS/Alberto Alerigi Jr

As revendas, aliás, só estão sendo abertas para fugir da chamada “Lei Ferrari”, que impede que as fabricantes vendam carros diretamente para consumidores, sem intermédio de concessionárias, mesmo que seja apenas para entrega. Ela só tem exceção em alguns casos, como licitações de órgãos públicos, porém nenhum deles se enquadra na situação da Lecar atual. Ou seja: precisam ter revendas.  

Essas concessionárias, porém, não vão fazer manutenção ou serviços nos carros. Em mais uma ideia baseada na Tesla, a Lecar quer criar centros de serviço apenas para cuidar do pós-venda. Esses centros serão menos frequentes que as concessionárias, porém querem atender as mesmas regiões em que houver revendas da marca brasileira. Mais uma vez, informações do dono, Flávio.  

Lecar 459 - Foto: Lecar/divulgação
Lecar 459 – Foto: Lecar/divulgação

Eles também planejam, ainda que na pura fase de ideia, ter laços com centros de serviço da Weg e com concessionárias Renault e Nissan. A primeira poderia cuidar do powertrain elétrico, enquanto as revendas de Renault e Nissan mexeriam no motor 1.0 turboflex. Figueiredo, porém, admitiu que isso são ideias. 

Já existe uma garantia definida: 3 anos para o veículo, 10 anos para a o powertrain elétrico (motor e baterias) e 10 anos para casos de blindagens de fábrica. A Lecar terá parceria com a Lopes, mesma que abriu a primeira concessionária, para blindar os carros na própria linha de montagem.  

Tem futuro?  

Lecar 459 - Foto: Lecar/divulgação
Lecar 459 – Foto: Lecar/divulgação

Talvez, para os prazos propostos, seja bem complicado erguer fábrica, desenvolver carro, criar protótipos, ajeitar engenharia e colocar os modelos à venda. Para não ir além, e dizer “impossível”, rebate a confiança do fundador, que acredita bastante na empreitada. A ideia, apesar de onerosa e complicada, não é ruim. Precisa, apenas, ser muito mais aprofundada e, principalmente, realizada. Veremos…