01/05/2008 - 0:00
“Se tivesse estudado engenharia, não estaria fazendo carros martelando chapas de alumínio”
Toni Bianco, deixando claro que seu dom é natural e que nunca precisou estudar para projetar carros
Nem o sotaque – muito menos o tom de voz – esconde a origem italiana de Toni Bianco. Criador de muitos modelos de passeio e de pista aqui no Brasil, o experiente projetista tem em seu currículo carros como Bianco, Fiat Dardo, Fúria, Fórmula Jr. e Fórmula 3, entre outros modelos de sucesso que fizeram história – alguns nas pistas, outros nas ruas e nas pistas.
Nascido na cidade de Concórdia Sagitária, uma província de Veneza, em 1931, Bianco veio para o Brasil com apenas 19 anos, por conseqüência da crise que a Primeira Guerra levou para a Europa. O primeiro contato do italiano com as máquinas foi na oficina de Oliveiro Monarca, que ficava no bairro paulistano da Bela Vista. Foi lá mesmo que Bianco começou a desenvolver os primeiros carros de sua carreira. Mas foi na oficina dos irmãos Losacco que o italiano aprendeu boa parte do que sabe, e do que ainda usa em suas empreitadas.
Acima o Cisitalia que Toni Bianco fez à mão, tendo como referência apenas a foto lateral do modelo (à esquerda). Para desenvolvê-lo, ele recebeu um chassi de Chevette, os faróis, a grade dianteira e o motor Fiat. O resto foi fruto de um trabalho de dez meses, moldando e soldando chapas de alumínio de espessura fina, que acabam tornando o trabalho bem mais complexo, mas, por outro lado, proporcionam um resultado melhor e um veículo com peso bem mais reduzido
Na seqüência, Bianco mostra com orgulho a estrutura de sua oficina, o método de desenvolvimento – que começa com protótipos de arame – e o resultado final de todo este trabalho, o Cisitalia
Hoje, com 77 anos, Bianco mora numa casa no bairro paulistano da Lapa. Diferentemente da maioria dos aposentados, o lugar onde gasta a maior parte de seu tempo é na pequena oficina no fundo de seu quintal. Um lugar que mede cerca de seis metros de comprimento por quatro de largura. Lá, a primeira coisa que chama a atenção é uma bancada que acompanha as paredes do fundo e da direita, onde pode ser encontrada uma organizada fileira de ferramentas. Nada além de equipamentos básicos, como os que usamos para fazer qualquer tipo de gambiarra no final de semana. São martelos, chaves de fenda e diversos alicates. Nas paredes, é possível apreciar diversos pôsteres que mostram alguns de seus mais bem-sucedidos projetos e outras fotos de sua carreira. Esta decoração reforça ainda mais o romantismo da humilde oficina. Neste simples ambiente, Bianco produz o que de melhor faz nesta vida: seus carros.
Atualmente, Bianco desenvolve veículos apenas por encomenda. Seu último trabalho levou dez meses: um raríssimo Cisitalia, que até mesmo em fotos é difícil de ser encontrado. Bianco o reproduziu sobre um chassi de Chevette com motor Fiat, usando como referência apenas duas fotos laterais do modelo. Engana-se quem imagina que, antes de botar a mão na massa, ele chegou a fazer qualquer tipo de esboço no papel. O protótipo foi um carro em miniatura feito de arame. “Se eu fosse desenhar alguma coisa, demoraria duas vezes mais tempo para ficar pronto”, justifica. Para ele, não há medida mais precisa do que seus próprios olhos e os cálculos que faz a partir das fotos. Os únicos gabaritos que ajudaram na produção do modelo foram feitos por ele mesmo, alguns de arame, outros de papelão.
A partir dessas escassas medidas é que o carro foi ganhando suas formas. Bianco fez todo o seu design moldando chapas de alumínio de espessura fina com marteladas, em cima de um largo tronco de superfície lisa, que, junto com a bancada, ocupa boa parte do limitado espaço de sua oficina. Quando questionado a respeito de por onde começou a fazer o carro, ele responde categoricamente: “Comecei pela frente. Já tinha a grade e os faróis, aí então ficou fácil”, ironiza.
Mesmo com a grande experiência que tem na indústria de automóveis brasileira, Bianco nunca chegou a estudar engenharia. “Se eu fosse engenheiro, não estaria fazendo carro martelando alumínio”, diz com humildade. Foram 55 anos de trabalho no setor. Só depois do governo Collor que Bianco se aposentou. “Depois que ele disse que nossos carros eram carroças, tudo começou a ir por água abaixo”, conta.
Longe do trabalho há dez anos, trancado em um apartamento, Bianco sofreu uma profunda depressão, que acabou depois de mudar para a casa onde reside atualmente, na qual pôde voltar a pôr a mão na massa em sua oficina de fundo de quintal. No início, fazia apenas móveis para casa. O trabalho com carros só foi retomado mesmo quando um amigo colecionador o desafiou a fazer um Fórmula Jr.. Como muitas outras vezes na vida, o italiano atingiu o objetivo. Ao relembrar as vitórias de sua vida, Bianco é humilde o suficiente para dizer que Deus o capacita para muitas coisas. “Acredito que todos temos alguma inspiração divina. Eu já tive muitas”, conta o veterano, que até hoje diz dispor dessa ajuda.
Ele garante que continuará desenvolvendo carros enquanto tiver vigor para trabalhar. “Para mim, o segredo para uma vida melhor é saber envelhecer. Por isso, continuarei fazendo o que gosto até não poder mais”, afirma. Após entregar o Cisitalia, já terá outro desafio pela frente – e com certeza vai superá-lo.
Acima, um Fúria GT/FNM, desenvolvido por Bianco em 1971, depois que a Alfa Romeo comprou a FNM
Em amarelo, um Bino da equipe oficial da marca Willys, desenhado por Toni Bianco nos anos 60
O Bianco, modelo que levava o nome de seu criador, foi lançado em 1976, inspirado no Fúria de corrida