27/02/2019 - 8:00
Seis de setembro de 2018: em Corktown, distrito mais antigo de Detroit, é madrugada. Darren Palmer abre o site Medium e escreve. Faz seu primeiro post, o relê e aperta publicar. Parece um dia comum de um influenciador digital. Só que não. Porque neste roteiro não há nada de trivial. Primeiro, o protagonista: Palmer é o diretor de desenvolvimento de produtos da força-tarefa mais importante da Ford.
Segundo, o palco (virtual): se você escreve no Medium (plataforma de jornalismo e blog fundada por Evan Williams, ex-presidente do Twitter), o mundo inteiro lê. Mas você, na verdade, já escolheu falar com hipsters do Vale do Silício, obcecados pela Tesla e blockchain. Terceiro, o conteúdo: Darren publicou naquele dia um esboço de um carro com a inconfundível traseira do Mustang. Mas é alto, droga! Muito alto. Como um SUV. Elétrico, informa a legenda.
Desde aquele post, a notícia (oficial) rodou o mundo: a Ford desenvolve um novo modelo de emissão zero com visual muito parecido com o de seu carro mais icônico. Mas, apesar da afinidade nas linhas, os volumes não poderiam ser mais diferentes: o novo carro, destinado a se tornar bandeira estratégica e filosófica da Ford do futuro, será um SUV-cupê. Tipo um Tesla Model X ou um BMW X6, mas com muito mais equilíbrio entre esportividade e desempenho. Uma experiência crucial para a marca, em uma das fases mais delicadas de toda a sua história.
Para criar novas fórmulas, a marca fundou um novo departamento, com carta branca para operar com protocolos menos rígidos do que outros ramos da empresa. Chama-se Team Edison: um punhado de especialistas como o que criou o Ford GT 2016 ou os que forjaram o Alfa Romeo Giulia e o Stelvio em um armazém em Modena. Aqui, com os americanos, a base de operações é um belo espaço aberto, todo de vidro e tijolos em Corktown, que era uma fábrica abandonada. O lema? “Move fast, come together” (mova-se rápido, chegue junto). Na prática: aja como uma startup.
Mas o que está além da retórica da inovação, muitas vezes vazia? Algo muito concreto. Porque quando o CEO da Ford, Jim Hackett, achou a primeira proposta de design “banal”, a equipe a revolucionou. “Também nos fez mudar o sistema multimídia: alguns resistiram, mas no final a abordagem ousada prevaleceu e temos uma tela enorme, que, depois do crossover Mustang, será adotado por toda a próxima geração dos Ford”.
Não será a única exclusividade: a estreia mais importante estará no powertrain. O Mustang crossover será o primeiro de uma avalanche de modelos elétricos (16) e eletrificados (40) prometidos até 2022, com investimento de US$ 11 bi. Esperado para 2020, o SUV-cupê será feito sobre uma nova plataforma, que depois será base para futuros modelos de emissão zero e promete autonomia de 500 km – mesmo com desempenho que não decepcionará os fãs do verdadeiro Mustang V8. Também graças ao seu novo sistema de tração integral, outra inovação, os 500 cv do sistema de propulsão garantirão uma aceleração de 0-100 km/h em cerca de 4 segundos, apesar de um peso que excederá duas toneladas.
Já no interior, apesar das dimensões respeitáveis (entre 4,7 e 4,8 m de comprimento), a habitabilidade não será seu forte por culpa da forma. Tanto que deve ter só quatro lugares. O nome? Certamente não será Mach 1, após uma legítima revolta dos fãs diante da hipótese. Seria como se a Ferrari resolvesse chamar seu futuro crossover de Speciale ou Scuderia: um ultraje.