26/08/2013 - 15:00
Quando se desafia um campeão, é preciso mostrar armas que imponham respeito. Quando essa disputa é entre automóveis, o que se espera de um desafiante ao líder de mercado é que ele ofereça mais por menos. Mas a Honda parece não estar muito preocupada com isso. A nona geração do Accord é menos equipada e mais cara do que o Ford Fusion. E não é um pouco mais cara: são R$ 46 mil a mais, considerando a versão EcoBoost FWD. Isso porque o Honda é importado dos EUA, enquanto o Fusion vem do México e não paga imposto de importação. Com a diferença de preço entre eles, você pode pagar três anos de seguro do Fusion ou, caso more em São Paulo, comprar um Ford New Fiesta para os dias de rodízio. Mas, embora seja uma enorme diferença, esse duelo – que parece decidido antes mesmo de começar – pode enveredar por um caminho inesperado. E as surpresas começam no exato momento em que você aperta o botão no painel e dá a partida no motor.
Sob o capô do Honda, pulsa um V6 3.5 de 280 cv cheio de tecnologias para deixá-lo mais eficiente e menos gastão. Além do tradicional i-VTEC, essa unidade tem um sistema de desativação de cilindros que, se não impressiona pelo ineditismo, o faz pelo brilhantismo. Quando não há exigência de potência, o que acontece em grande parte do tempo, uma bancada inteira é desativada e o carro funciona com apenas três dos seis cilindros. Você já está imaginando que isso deve causar vibração e ruído incômodos. Pois é, de fato causaria, mas os japoneses solucionaram a questão com tecnologia: coxins ativos no motor compensam a ausência de trabalho da bancada desativada e, no interior, um sistema eletrônico utiliza microfones para captar os ruídos incômodos e neutralizá-los. Por meio dos alto-falantes, ele emite uma onda sonora de frequência oposta e mesma amplitude daquela que incomodaria os ocupantes. O resultado é um silêncio gutural a bordo. Você nunca, em tempo algum, perceberá quantos cilindros estão funcionando.
Quando se pisa fundo, no entanto, o silencioso e pacato Accord se transforma em uma fera, com potencial para matar de inveja muito dono de carro médio esportivo. O torque de quase 35 kgfm garante uma aceleração vigorosa. O câmbio automático de seis marchas é de uma eficiência incrível, e tão rápido e suave que você nem se lembra que está em um sedã de quase cinco metros e 1.600 quilos.
Empolgado, você, quase instintivamente, procura a alavanca de câmbio para fazer as passagens de forma ainda mais esportiva. E aí descobre um grande equívoco da Honda: não há borboletas no volante nem trocas pela alavanca. Segundo o fabricante, os consumidores usam pouco esse recurso. Pode ser, mas o fato é que as trocas manuais do câmbio ajudam muito na estrada, em subidas de serra e em outros momentos.
O Fusion, por outro lado, tem borboletas no volante, mas seu desempenho não é tão empolgante, em que pese a modernidade do motor EcoBoost. Leve, com injeção direta e sobrealimentado, tem apenas 2,0 litros e consegue oferecer 240 cv de potência, um torque praticamente igual ao do Accord, uma aceleração eficaz e um consumo razoável. É incrível o que esse motor consegue fazer aliado ao câmbio automático de seis marchas. Com muita força em baixa rotação e rapidez na cidade, o carro é muito eficiente. Mas não dá a mesma sensação de esportividade experimentada com o rival japonês.
Nas retomadas de velocidade há um turbo lag ainda irritante e a transmissão por vezes parece “insegura” ao fazer seu trabalho, com passagens um tanto lentas. É suficiente para sua proposta de sedã familiar com um toque de emoção, que não deixa o motorista anestesiado, mas não vai muito além.
No Fusion também não se experimenta o mesmo ambiente de conforto do Accord. O silêncio é menor e os bancos são envolventes, porém um pouco menos confortáveis. Já na dinâmica eles se equiparam, principalmente porque, pagando cerca de R$ 125 mil (R$ 13 mil a mais que a versão FWD), você leva um Fusion com tração integral. Assim como o Honda, o sedã da Ford é impecável ao contornar curvas rápidas, sem inclinação da carroceria e sem tendência ao desequilíbrio. Comparado ao Fusion com tração dianteira, porém, o Honda Accord se sobressai um pouco – mas ambos têm subchassi dianteiro, amortecedores ativos e volantes com assistência elétrica progressiva, que mantém o motorista muito bem conectado com o asfalto.
Como receita mecânica, o Accord é superior. Não humilha o líder, mas tem potencial para assustá-lo. Construtivamente bem elaborado, cheio de reforços e classificado com cinco estrelas pelos órgãos americanos de crash-tests, é um automóvel robusto, como se espera da marca. Mas, em alguns segmentos, principalmente nos que estão acima dos R$ 100 mil, o fabricante precisa ir além para convencer o consumidor. Você precisa daquele algo a mais. E o Accord é péssimo em marketing “pessoal” – a começar pela carroceria, seu cartão de visitas.
Apesar de ter ficado mais moderno nessa geração, ele continua antiquado diante do Fusion, cujas linhas são muito mais agressivas – afinal, seu design lembra os Aston Martin. Internamente, o mesmo se repete. Honda é correto, bem acabado, com materiais nobres, mas não arranca um suspiro. No Fusion, você entra e solta um: “Noooossa!” No Accord você diz: “Ok, está certo.” Os dois se assemelham em tecnologia, mas o Honda não faz propaganda disso com mimos, gadgets e detalhes que agradam aos olhos. É tão discreto que parece até arrogância num carro que custa quase R$ 150 mil. Seria covardia, por exemplo, comparar o sistema de entretenimento My Sync da Ford com o do Honda Accord, que não tem sequer um navegador por GPS. Entretanto, ele oferece o básico para o segmento de sedãs de luxo.
No pós-venda, novamente uma pequena vantagem para o Honda Accord. Sua manutenção, quilômetro a quilômetro, é um pouco mais barata do que a do Ford Fusion. Nada que justifique uma vitória, mas conta pontos a favor. Inclusive porque as revisões do Accord são sempre a cada dez mil quilômetros, enquanto o rival Fusion exige visitas semestrais à concessionária, mesmo rodando pouco. E, se a cesta de peças do Accord é mais cara, seu seguro custa bem menos.
Para aqueles que querem um sedã grande, confortável (o espaço traseiro do Honda é bem maior que o do Fusion) e que ofereça tocada esportiva sob uma carroceria discreta, o Accord ainda é uma opção como poucas no mercado, mesmo com o alto preço. Agora para quem considera o equilíbrio e o custo-benefício, o Fusion é, sem dúvida, a melhor escolha. Apesar das boas armas escondidas sob a seriedade japonesa, o Accord não tem poder de fogo para desbancar o líder de seu reinado. E essa nem é mesmo sua função. A Honda não quer ser o número 1 desse segmento – ela quer, isso sim, abrir caminho para a chegada da Acura, sua linha de luxo, que, em breve, começa a ser vendida aqui. E, para isso, o Accord V6 servirá a contendo.