Exatos 150 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico, em Kiruna, na Suécia, o Zoe enfrenta o pior pesadelo dos carros elétricos: o frio extremo que prejudica as baterias

A tinta da caneta começa a falhar. E essa é só uma das inúmeras dificuldades quando a temperatura está 12 graus abaixo de zero. O pálido sol do fim de março tenta nos aquecer, mas em vão. Estamos exatos 150 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico, na região mais setentrional da Suécia, onde a Renault montou seu centro de provas e instalou três câmaras frigoríficas – uma visão surreal, considerando o gigantesco freezer natural que já é a Lapônia. Mas descobrimos que nem mesmo nessa região do planeta faz frio o bastante para certos testes.

 

O plugue para recarga do Zoe fica na dianteira do carro, escondido debaixo do logotipo da Renault. Seu motor elétrico tem 88 cv de potência

Estamos aqui para compreeder como se comporta o novo elétrico da Renault, o Zoe, em condições climáticas extremas. O que queremos ver não é mais um carro circulando em um dos tantos lagos gelados que servem como pistas de testes para a indústria automobilística. Precisamos ir além. Os técnicos franceses deixaram os modelos durante toda uma noite dentro da câmara frigorífica a uma temperatura de 30 graus negativos. Pela manhã, abrimos a porta do compartimento, entramos em uma das unidades congeladas e damos a partida. As luzes se acendem de imediato, e o Zoe se move sem hesitar. O engenheiro Fabrice Izzillo, responsável pelo desempenho dos modelos de emissão zero da marca, nos informa que a temperatura das baterias é de 18 graus abaixo de zero. “Até 25 graus negativos, trabalhamos sem problema. Não há perda perceptível de potência e o nível de carga da bateria não diminui”, afirma.

Oficialmente, o Zoe tem 210 km de autonomia, mas, em condições reais, conseguimos percorrer cerca de 150 km com uma carga. Se a temperatura estiver próxima de zero, esse número cai para 100 km. “Isso acontece só porque o aquecimento da cabine consome energia”, frisa Izzillo. De qualquer modo, é um bom número, considerando a autonomia de outros elétricos da marca e do Leaf, da prima Nissan. O Zoe tem a seu favor não apenas o peso contido (pouco mais de 1.450 kg), mas também baterias especiais e uma série de sistemas de economia de energia. O aquecimento do habitáculo, por exemplo, é feito por uma bomba de calor que utiliza o ciclo inverso do sistema de refrigeração. Outra vantagem é que ele pode ser recarregado com correntes elevadas, permitindo reduzir o tempo “de tomada”. Graças ao sistema batizado de Camaleão, o Zoe pode se alimentar de uma corrente caseira (com 3 kW leva cerca de sete horas) ou de uma estação de recarga rápida (com 22 kW completa a carga em apenas uma hora).

Na neve, o carrinho é silencioso como um trenó. Ouve-se apenas o rangido do gelo. Não fosse por isso, o motorista poderia acreditar piamente que está a bordo de um citycar comum: grande como um Clio, ele é apenas um pouco mais alto, e tem um porta-malas decente. “Queríamos construir um carro elétrico para todos”, afirma o diretor do projeto, Simon Luque. Isso significa não apenas mais espaço e uma recarga facilitada, mas também um preço atraente. Assim foi feito: na Europa, o Zoe custa € 21.650, ou, aproximadamente, R$ 55 mil. Caro para um compacto, mas não para um elétrico. O Leaf, por exemplo, tem preço de tabela de € 38 mil. Na França, com os incentivos do governo, o consumidor pagará só € 16 mil pelo modelo (não por acaso, o país responderá por 50% das vendas do compacto). Quanto ao volume comercializado, os representantes da marca mantêm segredo. “Não perdemos dinheiro com este carro”, garante Luque, sorridente, esfregando suas mãos geladas.

No frio, a autonomia dos elétricos diminui bastante, mas apenas porque é preciso manter o interior da cabine em uma temperatura agradável

Como se não bastasse o frio da Lapônia, o Zoe passou a noite na câmara frigorífica, a 30 graus abaixo de zero

Simon Luque, diretor do projeto Zoe, mostra a nova central de recarga flexível, que pode, conforme a necessidade, gerar potências de 3 a 22 kW

Na foto mais à esquerda, Fabrice Izzillo mostra a nossa repórter onde ficam as baterias. Ao lado, o conjunto óptico traseiro, dominado pela cor azul e com o formato do logo da Renault. Acima, a tela de sete polegadas multimídia mostra o fluxo de energia e a carga das baterias